Advogado graduado pela Unisinos (2008) e sócio do escritório Félix, Floriano & Rondon Advogados Associados, foi assessor jurídico do Coren-RS (2015-2019) e consultor Unesco junto à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (2013-2014).
Advogado graduado pela Unisinos (2008) e sócio do escritório Félix, Floriano & Rondon Advogados Associados, foi assessor jurídico do Coren-RS (2015-2019) e consultor Unesco junto à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (2013-2014).
O pós-Queiroz e a esquerda
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Fabricio Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (Foto: Policia Civil-SP/Fotos Públicas)

Na última quinta-feira, 18 de junho, foi preso preventivamente “O Queiroz” no sítio do advogado do Presidente. O que vem pela frente?

Fico entre dois sentimentos: otimista no curto prazo, pessimista no longo: Bolsonaro cai e isso permite a direita se rearticular.

No período “lulista” havia uma aliança da esquerda (sindicatos e movimentos sociais) com parcela expressiva do capital (o PT ainda sonhava em identificar uma burguesia industrial ou nacional, que talvez já não existisse) num projeto pra implementar políticas sociais massivas sem mexer na política econômica. Esse arranjo funcionou entre a eleição (2002) e a crise do mensalão (meados de 2005). A partir daí, Lula direciona a política pra formar uma base mais popular. Por isso, a partir de 2005, uma pegada mais desenvolvimentista (Mantega no lugar de Palloci na Fazenda representa isso). Esse arranjo mantém uma parte do empresariado como aliado, mais por falta de alternativas do que por vontade. Essa política permite vencer mais 3 eleições presidenciais (Lula reeleito e Dilma duas vezes)

Dilma se reelege (2014) pós-Junho de 2013, num momento em que o projeto lulista já demonstrava fragilidade. É mais uma derrota eleitoral dos péssimos adversários que um sinal de força.

O período Mantega (mais longevo Ministro da Fazenda da história republicana) é encerrado via imprensa na transição para o segundo governo Dilma. Embora reeleita com um discurso à esquerda,  Dilma optou por uma retomada do acordo com o rentismo, nomeando Joaquim Levy e autorizando-o a uma política de arrocho fiscal que marca a entrada na crise econômica que ainda perdura, num longo ciclo.

Apesar da tentativa de sobreviver em nova aliança com o rentismo, vem o golpe parlamentar, que começa a ser preparado quando Aécio não reconhece a derrota eleitoral.

Vem o golpe de 2016 com a burguesia rentista e a alta burocracia estatal (especialmente a partir da Lavajato, especialmente vinculada ao sistema judicial, mas não apenas). Os militares também retomam a participação política mais ativa, inicialmente com um papel mais simbólico, que se torna uma efetiva tutela sobre o debate público quando o então comandante das Forças Armadas, Gen Villas Boas, pressiona o STF para rejeitar um Habeas Corpus que pretendia impedir a prisão de Lula em abril de 2018 (episódio que, sabemos, foi decisivo para a eleição de Bolsonaro).

A ideia do golpe parlamentar era restituir o poder à velha direita. Mas desde então, só tivemos instabilidade. O Governo Temer foi uma sequência de crises. Bolsonaro (largando basicamente com a mílicia) percebeu o espaço vazio em razão de tantas crises e o ocupou, com o apoio dos militares,  evangélicos (que trazem o grosso da base eleitoral) e parte da alta burocracia estatal.

Ele se elege e monta um governo que tem, portanto: milicianos (máfias, negócios escusos, economia que exige acabar com fiscalizações, etc), evangélicos, elite financeira (incluindo aí quase todo o empresariado, Globo inclusive) e a alta burocracia estatal (especialmente sistema judicial).

A turma do capital e a burocracia acreditou que poderia hegemonizar um governo Bolsonaro, apostando que ele ficaria mais preocupado em bater palma pros seus malucos dançarem, na chamada pauta ideológica. Mas Bolsonaro nunca foi dado a acordos, se elegeu numa curiosa postura: mesmo que jamais tenha feito qualquer sinal de mudança rumo à moderação, era vendido assim pelos seus aliados.

Com o núcleo duro das milícias (digitais e reais), empresariado predatório e evangélicod, ele destrói todas as estruturas do Executivo e tenta avançar sobre os demais poderes e corporações. No Legislativo, ganha algumas, mas sofre contenções inesperadas. Toma conta do MPF com Aras, mas não consegue unificar a corporação. Tem parte da PF, mas não consegue compor direito com Moro (porque o ex-juiz imaginou que poderia aparelhar o Estado para si e não para o seu chefe).

Uma parcela da elite financeira que já temia a violência miliciana percebe, com o avanço da pandemia, que não é mais possível a tática desgastada de vender sinais de moderação em Bolsonaro: ninguém mais acredita.

A saída de Moro é o começo da corrosão mais grave da sua base na burocracia. O Judiciário já muito dividido começa a ter certeza da necessidade de ser mais duro. Isso reflete também nas polícias. Por isso as últimas semanas, com avanço das investigações contra as milícias digitais, prisão e dissolução dos manifestantes armados de Brasília. Ele perde as ruas. Vem a prisão do Queiroz.

Os militares, muito desgastados, já não sabem mais se vale a pena apostar na manutenção do regime bolsonarista, onde se vendem como garantes (ou tutores da democracia) e usufruem de 3000 cargos federais. Já praticaram crimes e desgastaram a corporação (num nível pior do que na saída da ditadura).

Chegou a hora em que manter Bolsonaro só interessa à milícia. Os demais setores já se deram conta que só perderão daqui pra frente: se Bolsonaro avançar nos seus propósitos, ficarão submetidos a um regime autoritário; se Bolsonaro cair num processo de mobilização popular, podem não controlar a restauração constitucional. O resultado dessa conta é o que temos visto nos últimos dias.

O esvaziamento das manifestações de apoio e o início já forte de manifestações contrárias criaram o clima definitivo pra precipitar a operação Fora Bolsonaro. Que pode incluir um “grande acordo nacional, com o Supremo, com tudo”, que inclusive devolva os militares aos quartéis em troca de uma imunidade, uma espécie de “Anistia 4.0”.

O otimismo é esse: Bolsonaro vai cair e isso é maravilhoso. Passamos a respirar. Conseguimos pensar na possibilidade de sairmos vivos. Volta a ser possível pensar, debater, lutar, com menos medo.

O pessimismo: vai cair porque não serve mais à burguesia e à burocracia parasitária. Fazendo isso agora, eles conseguem “voltar pra 2017” e tentar de novo. Talvez até fazendo uma eleição direta e ganhando com um projeto mais arejado.

O que a esquerda tem que fazer? Derrubar Bolsonaro junto, mas apresentando seu programa: defender o povo contra a miséria (com políticas distributivas e retomada econômica), restauração democrática em bases mais sólidas (retirar da política militares, polícias e sistema judicial, permitindo que os membros dessas carreiras cumpram suas funções para o Estado brasileiro), defender reformas que reduzam a violência de Estado que mata negros e pobres em níveis que só nós temos, incompatível com um regime democrático.

Derrotar a milícia é o primeiro passo pro país voltar a respirar. É o que permite voltar a pensar em disputa política real no país, dentro de “regras do jogo” estáveis. É o primeiro passo. Simultaneamente, rearticular um projeto de país. É preferível perder uma eleição presidencial rearticulando um projeto democrático-popular do que se iludir com o velho jogo de recompor a aliança da época lulista. Antes de mais nada, porque ela não acontecerá: só nos aliamos com quem quer aliança.

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