Advogado graduado pela Unisinos (2008) e sócio do escritório Félix, Floriano & Rondon Advogados Associados, foi assessor jurídico do Coren-RS (2015-2019) e consultor Unesco junto à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (2013-2014).
Advogado graduado pela Unisinos (2008) e sócio do escritório Félix, Floriano & Rondon Advogados Associados, foi assessor jurídico do Coren-RS (2015-2019) e consultor Unesco junto à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (2013-2014).
As corporações entre a demagogia e o autoritarismo
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Duas polêmicas servem pra mostrar como nosso debate foi tomado por corporações que não poderiam estar presente na cena política: militares e sistema judicial.

Ministro Gilmar Mendes levantou polêmica em torno de militares no governo (José Cruzr/Agência Brasil)

O primeiro episódio é a tentativa da “Lava-jato” de “doar” R$ 500 milhões à União para o combate ao coronavírus. O segundo é a reação dos militares à crítica que o Ministro do STF, Gilmar Mendes, fez à presença de um militar no Ministério da Saúde.

A chamada “Lava-jato” é um braço disfuncional do Ministério Público Federal que se enxerga como uma instituição à parte do Estado brasileiro, surgida para curar todos os seus males. Protegida por um esquema de marketing, a Operação contou sempre com a liderança do ex-juiz Moro, que ao invés de apenas julgar as ações penais surgidas das investigações, se tornou seu maior símbolo, o que por óbvio contamina qualquer julgamento.

Depois de condenar figuras públicas (em geral, adversários ideológicos), Moro foi ser Ministro da Justiça do maior beneficiário da Operação, Jair Bolsonaro. Depois de um ano e meio no cargo, participando e praticando atentados à democracia, deixou o Governo e se coloca como candidato a suceder seu ex-chefe. Novamente com a anuência da “grande imprensa”, trata das questões que até outro dia operava e dos ex-aliados como se lhe fossem estranhos.

Mais: embora tenha deixado a magistratura pela carreira política, ainda conta com o aparato da Vara Federal que presidia e da força-tarefa do MPF que comandava: “a Lava-jato” – embora com muito desgaste – segue lutando por poder, tendo como objetivo final a eleição presidencial de 2022.

Leia também: Forçar Armadas se equivocam sobre quem deveria pedir desculpas ao Brasil

Além de estar num combate interno com o atual Procurador-Geral da República, Augusto Aras, que tenta enquadrar os “bravos combatentes”, a turma da Lava-jato tenta dar outras cartadas para se manter à frente do debate. Uma delas foi oferecer dinheiro à União para o combate à pandemia.

Mais uma vez, “a Lava-Jato” faz política a partir de uma movimentação ilegal. Oferece ao Governo Federal (à União, portanto) um dinheiro que já é seu! Quando um cidadão é condenado a (ou, no caso, firma um acordo de leniência) ressarcir o Erário Público, o dinheiro deve ser restituído ao ente público lesado. A lei não autoriza nem juiz, nem procurador a gerir recursos públicos. Não cabe, portanto, a nenhuma força tarefa dispor sobre como será gasto o dinheiro devolvido aos cofres públicos advindo de ação judicial ou acordo de leniência.

Mais uma vez, “a Lava-jato” tenta criar um orçamento todo seu, pra fazer política. Ano passado, teve freada sua pretensão de criar uma fundação de direito privado(!) que pretendia utilizar recurso de multas pagas pela Petrobrás ao governo dos EUA para fazer política, formando lideranças, fazendo “campanhas contra a corrupção” e afins. Agora, volta à carga. A Advocacia Geral da União, num raro acerto, se movimenta para impedir tal artimanha, até pela falta de base legal. A juiza Gabriela Hardt e o Dr Daltan Dallagnoll tentam faturar com o dinheiro alheio (nosso, no caso!)

O segundo episódio parte da excessiva participação política de magistrados, mas serve pra explicitar o horror da militância dos militares da ativa. O Ministro Gilmar, em debate, advertiu sobre o risco que o Exército está assumindo de “se associar com um genocídio” ao se manter no comando do Ministério da Saúde em plena pandemia. Ofendidos, os militares reagiram exigindo desculpas e retratação de Gilmar. Quem o conhece, sabe que não viriam: suas manifestações reafirmaram que se preocupa com a imagem do Exército pós-pandemia. Ofendidos, representaram ao PGR Augusto Aras pedindo que Gilmar seja processado com base no Código Penal Militar!

Há um erro na forma que não é novo: o Ministro sempre falou sobre a política, sempre se colocou na cena como uma voz ativa. É errado, como o é quando qualquer magistrado o faz.

Militares abraçados ao governo

No mérito, no entanto, foi até cauteloso. Os militares não estão correndo o risco de, já estão abraçados no governo Bolsonaro, não apenas no genocídio que vem sendo praticado na política deliberada de não combater o coronavírus. Estão associados a um governo que depreda as instituições, que destrói o meio ambiente, desmantela o sistema educacional e que mesmo antes da pandemia, já tinha liquidado a economia. Os militares estão associados a um governo controlado pela milícia, que se utiliza da estrutura pública pra financiar esquemas ilegais de propaganda e que também tenta (com sucesso) corroer as policiais dos estados, perigosamente controladas pela militância bolsonarista.

Mais grave ainda, os militares decidiram ocupar a arena política, mas sempre que são criticados como políticos que viraram, ameaçam e cobram respeito a partir de um “lugar de fala” militar. Além do direito de pressionar e colonizar a política em busca do poder e seus benefícios, se julgam superiores a ponto de não arcarem com nenhum risco. Assim agem também muitos juízes e promotores, muito opiniosos, mas avessos às críticas.

Queiram ou não, os militares brasileiros pagarão o preço pelos erros políticos e, espera-se, pelos crimes que cometem ou deixam que se cometa contra o povo e contra a democracia. Longe de considerar um ataque, os militares deveriam perceber a fala do Ministro Gilmar como uma espécie de conselho de amigo. Talvez só percebam mais adiante.

Mais que nunca, necessário que se discuta a redemocratização brasileira. Na saída do atual momento de exceção, fundamental que se devolvam militares, policiais, juízes e membros do Ministério Público ao exercício unicamente de suas atividades. As instituições do Estado compostas por servidores concursados devem se ater (e exigir que assim o façam seus membros) ao que a Constituição e a lei lhes determina, desde sua missão institucional até os mínimos atos que devam praticar.

Além de severa regulamentação das possibilidades de manifestação pública sobre temas políticos de seus membros, também as hipóteses de candidatura devem ser severamente restringidas: membros do MP, juízes em qualquer grau, militares e membros de polícias só deveriam ter direito à filiação partidária após um ano de seu desligamento das carreiras, com direito a concorrer a cargo eletivo somente após três anos. Não tem feito bem ao debate brasileiro a presença constante da ameaça daqueles que tem prerrogativas especiais para incidirem sobre o debate político, seja porque são órgãos de controle (magistrados e membros do MP), seja porque exercem seu ofício como braço armado do Estado (militares e policiais). Tal quadro chegou ao seu limite. E já nos trouxe a uma tragédia. A saída dela exigirá mudanças institucionais profundas. A mais urgente é devolver os membros das corporações aos seus “quadrados”, até para estancar o processo de desgaste que sofrem.

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