Política -
IAB-PB questiona projeto que pretende liberar a construção de prédios mais altos na orla de Conde
Grace Vasconcelos - sob supervisão de Felipe Gesteira
Compartilhe:
Pensada para uma cidade de baixa densidade demográfica, legislação no município de Conde preserva o litoral urbano (Foto: Reprodução/Google Street View)

A Prefeitura Municipal de Conde pretende mudar o visual da cidade em breve, se o Projeto de Lei Complementar (PLC) 001/2021, proposto pela gestão da prefeita Karla Pimentel (Pros), for aprovado. A proposta pretende mudar a lei de zoneamento e permitir que prédios mais altos sejam construídos em áreas próximas ao mar ou para o interior da cidade, que, atualmente, possui limites baixos para a altura de construção.

A proposta é criticada por especialistas em urbanização, vinculados ao Instituto de Arquitetos do Brasil – Departamento da Paraíba (IAB-PB), que entendem a mudança como uma forma de ignorar problemas existentes da cidade para favorecer o setor imobiliário, além de trazer prejuízo aos moradores mais vulneráveis e ao meio ambiente.

Em Conde, a Lei de Zoneamento em vigor é muito recente, com apenas 4 anos de existência, instituída na gestão da ex-prefeita Márcia Lucena (PT). A lei define padrões e condições para parcelamento, uso e ocupação do solo no município, ou seja, é o documento que explica, por exemplo, o que se pode fazer nas ruas, onde é permitido construir, qual deve ser o tamanho das construções e quais espaços devem ser preservados.

O que muda?

Segundo o texto do PLC 001/2021, o objetivo seria modernizar a lei implementada em 2018 e garantir a geração de emprego e renda. O projeto afirma que o município teria perdido a oportunidade de “aproveitar o avanço do setor imobiliário nas áreas de praia que são super valorizadas”.

Em entrevista ao blog Conversa Política, o secretário de planejamento do município, Márcio Simões, explicou que, atualmente, é permitida a construção de prédios de até dois andares em zonas próximas ao mar. A intenção é liberar que prédios mais altos possam ser construídos, seguindo o exemplo da legislação de João Pessoa que permite construções com mais pavimentos.

Longe do mar, a lei de zoneamento também proíbe a construção de prédios com mais de 7 andares na cidade. A proposta de Karla Pimentel prevê que esse número se torne maior.

Veja também
Covid-19: Ministério da Saúde reduz para 5 meses intervalo da dose de reforço e amplia público para acima de 18 anos

Raissa Monteiro é conselheira superior do IAB e foi coordenadora de Planejamento Territorial de 2017 até 2020 no município de Conde, participando ativamente da criação da lei de zoneamento do município. Ela defende que o estabelecido em 2018 foi pensado para uma cidade pouco densificada e com infraestrutura deficiente, e que para receber grandes construções, é necessário investimento para corrigir os problemas, como a falta d’água. Ela afirma que a lógica da prefeitura na gestão de Karla Pimentel é o contrário: liberar a construção civil, sem resolver a infraestrutura.

“É uma área turística, com muito potencial imobiliário, mas antes dele ser explorado ao máximo pela construção civil e empreiteiras, é preciso consertar muita coisa básica ainda. Então faz sentido ter algumas restrições como as que colocamos”, disse a conselheira.

A presidenta do IAB-PB, Aída Pontes, encara o projeto com muita preocupação. Ela reforça que a lei ainda é muito recente e que não se pode apostar em um desenvolvimento econômico que não considere questões sociais e ambientais. Ela argumenta que municípios com tendência ao turismo podem desenvolver formas de geração de renda e emprego que leve em consideração a natureza e a diversidade da população.

Outros pontos que podem ser alterados:

  • Parâmetros de parcelamento do solo deverão ter suas dimensões máximas aprovadas pela Seplan [Secretaria de Planejamento do município], após análise opinativa do Conges [Conselho Gestor de Desenvolvimento Municipal];
  • Empreendimentos de Habitação de Interesse Social terão os percentuais de área pública definidos por decreto, após análise opinativa do Conges e aprovação da Seplan;
  • Muros podem atingir no máximo dois metros de altura e estabelece características para os que ultrapassarem os limites;
  • Seplan vai definir parâmetros de parcelamento, uso e ocupação do solo de empreendimentos de infraestrutura urbana, após análise opinativa do Conges;
  • Para lotes inseridos em mais de uma zona, de igual proporção, deverá ser considerada a zona mais restritiva;

O Conges perde poder

Em muitos pontos da lei de 2018, o Conges, um conselho que garante a implementação da Política de Desenvolvimento Municipal Urbano e Ambiental, agia com um poder decisório: a proposta passaria primeiro por ele e, apenas se aprovada, seria encaminhada para a Câmara dos Vereadores. Participam do Conges 19 entidades que representam os poderes públicos municipal, estadual, Legislativo municipal e federal, além de movimentos, sindicatos, associações, organizações não-governamentais, entidades empresariais – incluindo o setor imobiliário -, acadêmicas e de pesquisa.

Na nova proposta, o Conges perderia o poder de decidir sobre quais projetos são relevantes para o município, passando a ter um caráter opinativo. Projetos de Lei propostos pela prefeitura, por exemplo, deverão ser aprovados apenas pela Seplan, após consultar a opinião do Conges. Cinco artigos podem sofrer alteração, transformando a Seplan ou a prefeitura nos órgãos que decidem e aprovam os projetos.

Situações que não são consideradas na lei de zoneamento também não devem passar pelo Conges, sendo a responsabilidade transferida para a prefeita Karla Pimentel, que decide a partir de decreto, após aprovação da Seplan e parecer opinativo do Conges.

Essa não é a primeira vez que a prefeitura tem divergências com o Conges. Em julho deste ano, entidades denunciaram ao Ministério Público a gestão de Karla Pimentel e o secretário de planejamento Márcio Simões, por quebra de eficiência de serviços à população. Eles alegaram que as reuniões do Conselho não estavam sendo realizadas, as eleições para representantes não foram respeitadas e se deparam constantemente com atitudes antidemocráticas.

A presidenta do IAB-PB, Aída Pontes, defende a existência do Conges: “Em suas bandeiras, o Instituto defende processos democráticos de construção de cidades, participativos e que compartilhem os ganhos entre os cidadãos, todos eles. Por isso não podemos corroborar com um processo que desconsidera uma ferramenta democrática como o Conselho Gestor, e que não inclui a população nessa construção.”

O mercado imobiliário e o projeto de lei

Em entrevista à imprensa, Márcio Simões, secretário de planejamento e também construtor, afirmou que apesar de atuar como secretário, na condição de corretor de imóveis estará “lutando sempre pela categoria”. Ele também reconhece a resistência de vereadores da oposição, mas que a proposta seria importante porque a lei de 2018 teria quebrado a cadeia produtiva da construção civil e do mercado imobiliário.

Aída Pontes acredita que é legítimo o município buscar o desenvolvimento econômico, mas afirmar que a legislação impede o movimento do mercado imobiliário seria um argumento “superficial”. Ela avalia que a legislação de 2018 reserva zonas para grande densidade construtiva, que permite construções mais altas e sem recuos obrigatórios, como a Zona de Qualificação Urbana.

“É preciso observar se esse desenvolvimento beneficia exclusivamente a um só grupo ou se é apoiado e referendado pelos diversos grupos que compõem o território de Conde. Para que o desenvolvimento de uma cidade ocorra de forma plena, tudo que diz respeito ao uso e à ocupação do solo deve ser decidido em conjunto com a população – principalmente as comunidades mais vulneráveis”, afirmou Aída Pontes.

Aída também diz que liberar o mercado para agir e ocupar a região pode ameaçar a natureza, agricultura e recursos naturais do município. Além disso, pode gerar risco de expulsão para comunidades tradicionais, como assentamentos rurais e aldeias indígenas. Ela argumenta que o preço da terra tende a aumentar, criando situações insustentáveis para que essas populações se mantenham no local de origem, pois correm o risco de serem substituídas por loteamentos e construções.

“O argumento do ‘desenvolvimento econômico’ não pode passar por cima da existência dos povos tradicionais e das particularidades culturais, naturais e regiões ambientalmente sensíveis do município. O ‘vale tudo’ em nome do lucro pode acabar destruindo as belezas naturais e paisagens que hoje tanto atraem visitantes para a cidade”, diz a presidenta.

O que diz a Constituição do Estado da Paraíba:

Art. 229. A zona costeira, no território do Estado da Paraíba, é patrimônio ambiental, cultural, paisagístico, histórico e ecológico, na faixa de quinhentos metros de largura, a partir da preamar de sizígia para o interior do continente, cabendo ao órgão estadual de proteção ao meio ambiente sua defesa e preservação, na forma da lei.

§ 1º O plano diretor dos Municípios da faixa costeira disciplinará as construções,

obedecidos, entre outros, os seguintes requisitos:

a) nas áreas já urbanizadas ou loteadas, obedecer-se-á a um escalonamento de

gabaritos a partir de doze metros e noventa centímetros, compreendendo pilotis e três

andares, podendo atingir trinta e cinco metros de altura, no limite da faixa mencionada

neste artigo;

b) nas áreas a serem urbanizadas, a primeira quadra da praia deve distar cento e

cinqüenta metros da maré de sizígia para o continente, observado o disposto neste artigo;

c) constitui crime de responsabilidade a concessão de licença para a construção ou

reforma de prédios na orla marítima, em desacordo com o disposto neste artigo.

d) excetua-se do disposto nas alíneas anteriores, a área do porto organizado do

Município de Cabedelo, constituída na forma da legislação federal e respectivas normas

regulamentares, para as construções e instalações industriais.

Alínea d acrescentada pela Emenda Constitucional nº 15, de 28 de agosto de 2003.

§ 2º As construções referidas no parágrafo anterior deverão obedecer a critérios que

garantam os aspectos de aeração, iluminação e existência de infra-estrutura urbana,

compatibilizando-os, em cada caso, com os referenciais de adensamento demográfico,

taxa de ocupação e índice de aproveitamento.

Compartilhe: