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Direitos humanos: Justiça avança no entendimento sobre o reconhecimento de pessoas
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Reconhecimento pessoal, embora válido, “não pode induzir, por si só, à certeza da autoria delitiva”, disse o relator (Foto: Don Relyea/Flickr)

​Ratificando liminar deferida anteriormente, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu habeas corpus para absolver um homem condenado por roubo e corrupção de menores com base apenas em reconhecimento fotográfico, realizado em desconformidade com a legislação.

O relator, ministro Rogerio Schietti Cruz, afirmou que, mesmo quando realizado de acordo com o modelo legal – descrito no artigo 226 do Código de Processo Penal (CPP) –, o reconhecimento pessoal, embora válido, “não pode induzir, por si só, à certeza da autoria delitiva”, exigindo provas adicionais.

Por outro lado, acrescentou, se o reconhecimento for feito em desacordo com a lei, será inválido e não poderá “lastrear juízo de certeza da autoria do crime, mesmo que de forma suplementar”, nem servir de base para a decretação de prisão preventiva, o recebimento de denúncia ou a pronúncia do réu.

Schietti lembrou que, em outubro de 2020, o STJ conferiu nova interpretação ao artigo 226 do CPP, a fim de superar o entendimento, até então vigente, de que essa norma seria “mera recomendação” e, como tal, sua inobservância não anularia a prova.

Garantias para quem se encontra na posição de suspeito

No habeas corpus, a Defensoria Pública do Rio de Janeiro alegou a invalidade da condenação do suspeito por ter se baseado exclusivamente no reconhecimento fotográfico feito pela vítima de um roubo, sem respeito às formalidades do CPP e sem respaldo em outras provas.

Schietti citou julgamento do Supremo Tribunal Federal, de fevereiro deste ano, em que a corte absolveu um indivíduo preso em São Paulo depois de ser reconhecido por fotografia, tendo em vista a nulidade do reconhecimento fotográfico e a ausência de provas para a condenação (RHC 206.846).

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Ao falar das garantias legais para quem se encontra na posição de suspeito, o magistrado rememorou as três teses já fixadas pelo STJ: o reconhecimento de pessoas, presencial ou por fotografia, deve observar o procedimento previsto no CPP; a inobservância desse procedimento torna o ato inválido; e a realização do reconhecimento pessoal deve ser justificada por elementos que indiquem a possível autoria do crime, de modo a se evitarem arbitrariedades capazes de potencializar erros na verificação dos fatos.

Polícia induziu a vítima e comprometeu o reconhecimento

No caso em julgamento, ressaltou o relator, os autos mostram que o réu foi condenado, exclusivamente, com base no reconhecimento fotográfico feito pela vítima. Não houve apreensão de bens em seu poder, confissão, relatos indiretos nem outra prova que autorizasse o juízo condenatório.

O magistrado observou que a autoridade policial comprometeu o reconhecimento ao induzir a vítima, apresentando-lhe uma foto do suspeito e do suposto comparsa adolescente, “de modo a reforçar sua crença de que teriam sido eles os autores do roubo”.  Segundo o ministro, estudos científicos apontam que o risco de falso reconhecimento é incrementado pelo show-up – conduta que consiste em exibir apenas um suspeito, ou sua fotografia, e solicitar que a vítima ou testemunha diga se foi ele o autor do crime.

Para Schietti, todos os integrantes do sistema de Justiça criminal deveriam utilizar técnicas pautadas nos avanços científicos para interromper e reverter a realidade dos reconhecimentos falhos, base de frequentes erros judiciários.

Práticas investigativas como a do caso analisado pela Sexta Turma – concluiu o relator – “só se perpetuam porque, eventualmente, encontram respaldo e chancela” do Ministério Público e do próprio Poder Judiciário, “ao validar e acatar medidas ilegais perpetradas pelas agências de segurança pública”.

Leia o voto do relator no HC 712.781.

Fonte: STJ

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