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Cultura -
5 livros publicados, lançando o 6º e um prestes a virar filme: conheça a trajetória do escritor Phelipe Caldas
Termômetro da Política
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Livro “O menino que queria jogar futebol”, de Phelipe Caldas, está sendo adaptado para o cinema (Foto: Felipe Gesteira)

Phelipe Caldas é romântico. Declarado, incorrigível. Dono de um olhar vadio, gosta de observar as miudezas do cotidiano e transformá-las em histórias que serão contadas adiante, por gerações. Tal qual faziam os trovadores nas tavernas, assim o faz este escritor contemporâneo, e sua percepção eternizada na escrita logo passa a ser reverberada, seja em salas de aula, ou a partir de um brinde, na mesa de bar. E o homem escreve. Muito. Escreve todos os dias. Publica reportagens, microcontos, textos acadêmicos, e faz questão de firmar seu posicionamento em defesa da democracia. Parece óbvio por se tratar de um escritor, mas após o que se viveu no Brasil nos últimos anos, o óbvio precisa sempre ser reafirmado.

Graduado em Comunicação Social – Jornalismo, mestre e, agora, doutorando em Antropologia, Phelipe Caldas começa a desfrutar da maturidade na carreira de escritor. Com cinco livros publicados (“Academias de Bambu”, “Além do futebol”, “O menino que queria jogar futebol”, “Quando a saudade me visita” e “Sobreviventes“), está lançando o sexto, “O Belo e suas torcidas”, e ainda comemora um feito: ter um livro adaptado para o cinema.

Trata-se da história do menino Gabriel, jogador de futsal mirim que enfrentou um tumor no cérebro e chegou a ser dado como morto. Com a obra sendo transformada em filme, Phelipe Caldas vive uma nova fase na carreira de escritor que vai além da redescoberta do livro. Na entrevista a seguir o autor fala de projetos, novos livros, e ainda revela um pouco sobre como a percepção de mundo voltada a detalhes, vivências, memórias e afetos influencia na sua literatura.

Termômetro da Política: Há muito tempo você é escritor. Em que momento caiu a ficha do ‘ser escritor’?

Phelipe Caldas: Eu publiquei o meu primeiro livro, “Academias de Bambu”, em 2007, e depois houve um hiato de nove anos para sair o segundo. Nesse meio tempo, eu não me considerava escritor e no máximo me identificava como um jornalista que tinha um livro publicado. O que, na minha visão, eram coisas diferentes, principalmente porque a primeira obra foi fruto de meu trabalho de fim de curso na graduação de Jornalismo na UFPB. Era um trabalho que eventualmente virara livro, quando eu imaginava o escritor aquele que, por interesse próprio e não por exigências institucionais, escrevia-o. Claro que essa era a visão de um jovem, talvez como medo de soar arrogante a autodeclaração de escritor, mas o fato é que essa sensação de ser escritor só começou em mim após o segundo livro. Porque foi quando de fato virou um ofício, uma recorrência em minha vida. Se demorou nove anos entre o primeiro o segundo, de 2016 para cá já foram cinco livros em sete anos. É quando a gente para e pensa: “É, eu devo ser escritor mesmo”.

TP: É comum que leitores se declarem fisgados por tuas histórias. O que faz uma história te provocar a ser contada?

PC: Essa é uma pergunta difícil de ser respondida. Em minhas crônicas, por exemplo, eu me interesso pelo mais cotidiano possível, porque eu gosto de observar aquelas minudências do dia a dia que poucos enxergam, mas que de repente podem esconder algo de poético, de marcante, de bonito. É como um fotógrafo que consegue vislumbrar um ângulo completamente diferente e surpreendente para uma cena. Algo que só ele e mais nenhum outro fotógrafo conseguiu. Pois é o que tento fazer com a crônica, respeitando obviamente as diferenças de técnicas e de linguagens. Gosto também de revisitar o passado, e aí entram tanto crônicas como investigações sobre episódios ou épocas marcantes que poderão virar livros-reportagens. Mas, independente da história, o que me interessa mesmo é tentar colocar o leitor dentro dos fatos, fazê-los sentir o que se passa como se estivessem no momento e no local dos acontecimentos. Obviamente que eu nem sempre consigo fazer isso, mas eu me sinto verdadeiramente realizado quando alguém diz que leu algo meu sentindo essa experiência.

TP: Você tem livro preferido dentre os publicados?

PC: Todos os livros têm suas histórias, seus contextos, seus bastidores que os diferenciam dos demais. Mas do ponto de vista técnico, eu gosto muito do terceiro livro, “O menino que queria jogar futebol”. Porque, na minha opinião, eu consegui executar algo que me parece muito difícil de ser feito. O livro, a rigor, é um livro-reportagem, porque todos os fatos ali descritos são reais e foram checados por ao menos duas fontes diferentes, mas ele pode ser lido como um romance, porque eu consegui dar uma cadência ao texto e consequentemente à leitura que o torna menos declaratório e mais narrado. Acho que o leitor consegue ter uma experiência mais impactante com a história justamente por causa disso.

TP: Há algo dito em algum livro que você mudaria ou publicaria novamente de outra forma?

PC: Sempre tem, mas eu acho o meu primeiro livro o mais problemático deles. Eu gosto muito dele, diga-se, até porque retrata um momento importante da história boêmia de João Pessoa que estava totalmente esquecida, mas hoje eu percebo um texto mais imaturo, com algumas conclusões apressadas que não combinam com a forma que eu enxergo o mundo atualmente. Ademais, uma ou outra crônica em meu segundo livro, “Além do futebol”, não seriam incluídas numa eventual segunda edição. Ou, ao menos, teriam algumas expressões suprimidas ou modificadas. Mas, enfim, faz parte da vivência do escritor essa autocrítica, essa releitura sobre si mesmo, essa mudança de postura com o passar do tempo, a medida que vai ficando mais maduro.

TP: Sobre “O menino que queria jogar futebol”, você guardou segredo da história do livro virar filme. Como foi manter esse segredo?

PC: Foi engraçado. Porque essa espera é dividida em duas etapas diferentes. Eu fui contactado pela primeira vez em maio de 2020. Um cineasta queria transformar o meu livro em filme, mas eu não poderia contar isso a ninguém antes do projeto virar realidade. A questão é que, entre 2020 e 2022, havia os diálogos e as tratativas para a adaptação, mas o martelo ainda não estava batido. Então eu mesmo vivia a expectativa sobre se o filme iria ou não vingar. Apenas em junho de 2022 é que o filme virou uma certeza, mas ainda fui obrigado a esperar mais um ano até que a divulgação fosse feita de forma oficial. Fiquei extremamente emocionado, empolgado, orgulhoso também, claro, mas eu sou uma pessoa inveteradamente ansiosa. Foi difícil a espera até o momento que a notícia virou pública. E a repercussão está sendo maravilhosa. De repente, cinco anos depois dele ter sido publicado, o interesse pelo livro parece que foi retomado.

TP: E do que você mais gosta neste livro?

PC: Eu já expliquei um pouco disso na terceira pergunta. Foi justo essa capacidade de contar uma história real como se fosse um romance. Ajuda na imersão do leitor, ainda que tudo a rigor seja real. Entenda. Ele pode ser lido como um romance, mas não há romantização da história, não há escapes ficcionais para ajudar na narrativa. É tudo verdade, mas contado de um jeito que difere em muito, por exemplo, do tom de jornalismo declaratório de meu primeiro livro. Aliás, isso é engraçado, principalmente depois que o livro vai mesmo ser adaptado para o cinema. Mas na época de sua produção, eu sempre o enxergava como se fosse um filme, eu me referia aos diferentes momentos da história como cenas. A forma de contar a história sempre esteve em meu radar quando eu fui escrevê-lo.

TP: Ter um livro transformado em filme é o sonho de muitos escritores e você o alcançou. Com o que você sonha hoje na carreira de escritor?

PC: Um sonho que eu tenho, mas que eu julgo um pouco mais difícil de realizar diante da realidade brasileira, seria o de viver exclusivamente da literatura. Um mais tangível, que eu estou perseguindo ao fazer atualmente o meu doutorado, é conquistar uma estabilidade maior que me permita reservar um tempo maior para a minha vivência como escritor. São muitos os projetos que já fervilham na minha mente, mas que eu nem sempre consigo executá-los na celeridade que eu gostaria atualmente.

TP: Apesar da evidência deste livro por estar sendo levado ao cinema, há um outro prestes a ser publicado, não é? O que teus leitores podem esperar dele?

PC: Meu novo livro é “O Belo e suas torcidas” e é fruto de minha pesquisa de mestrado em Antropologia, em que pesquiso as diferentes formas de torcer do Botafogo da Paraíba. É um livro diferente dos demais porque ele tem essa perspectiva acadêmica, mas eu garanto que ele é acessível e interessante ao público mais geral, principalmente aquele que gosta de futebol e se interessa pelas dinâmicas das torcidas de futebol. Fala muito da festa, da entrega, do arrebatamento que o futebol oferece ao torcedor, e aborda também todo o contexto de conflito, de diferenças, de múltiplas identidades que cercam o jogo. Tento apresentar um futebol menos romantizado pela mídia, um futebol que é reflexo da sociedade plural e conflitiva que existe no mundo. Está saindo pela editora Ludopédio, de São Paulo, e pode ser adquirido no site dela na internet.

TP: Em diversos livros você faz referência a lugares da cidade onde vive. Como você vê a importância do escritor na construção da memória?

PC: Eu adoro esse exercício, principalmente em minhas crônicas. São nossas vivências, nossas memórias, nossos afetos que estão ali. Eu escrevo sobre o Centro Histórico, sobre os botecos, sobre as vielas de João Pessoa, escrevo também sobre seus vultos populares, sobre pessoas anônimas que a transformam diariamente. Aliás, eu prefiro esse lado da cidade. Popular, errante, marginal, periférico, vadio. Todas palavras que foram criminalizadas ao longo dos anos, mas que tem uma origem etimológica festiva, que remete a um caminhar sem rumo e sem pressa sobre a urbe. Aliás, enquanto escritor eu gosto de treinar o “olhar vadio” que é alardeado e defendido pelo antropólogo português José Machado Pais. Um olhar desinteressado, sem buscar nada específico, mas sempre pronto para se surpreender com o que a gente ainda não sabe o quê.

TP: Existe uma história que você quer contar e ainda não conseguiu?

PC: Existem várias. Eu tenho um livro de crônicas sendo escrito, um projeto de livro-reportagem esperando tempo para ser tocado sobre um episódio marcante da década de 1970 em João Pessoa, uma tese de doutorado sendo escrita. Só aí, são três futuros livros que poderão sair. Quem sabe um dia.

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