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Trilha dos Potiguaras: a cultura de um povo que resiste em terra sagrada 
Laura de Andrade*
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Há uma canção de Beto Guedes que diz: “Tudo o que move é sagrado”. Todo o fruto do trabalho, a massa que faz o pão, o sono. Todo amor é sagrado. Pisar em uma terra feita do suor e sangue que dá vida à jurema sagrada não é diferente. Em contato com o povo potiguara da Paraíba no último sábado (19) ouvi, com atenção, os ensinamentos daqueles que vieram antes de mim. Pude conhecer, de perto, um pouco da cultura dos povos originários. 

A Trilha dos Potiguaras visa desenvolver o turismo sustentável e inclusivo no Litoral Norte da Paraíba (Foto: Roberto Guedes/Divulgação)

A experiência aconteceu a partir do convite da Empresa Paraibana de Turismo (PBTur) e da Secretaria de Estado do Turismo e Desenvolvimento Econômico (Setde), para o Termômetro da Política, em uma fampress – viagem com jornalistas para uma imersão em um determinado local – com destino às Trilhas dos Potiguaras, que passa pelos municípios de Baía da Traição, Marcação, Rio Tinto e Mataraca, localizados a aproximadamente 90 km de João Pessoa, na Paraíba, onde 32 aldeias estão espalhadas.

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Vivenciar uma imersão em uma cultura é, para mim, fazer descobertas. O que eu posso ser a partir dos ensinamentos de um povo? Qual é a responsabilidade que tenho em conhecer a cultura de pessoas que tanto lutaram e ainda lutam? O trajeto pelo Litoral Norte da Paraíba começou junto da força da mãe natureza, dos seres encantados da mata e do senhor do relâmpago, do raio e do trovão da cultura tupi-guarani, Tupã.

A primeira parada foi na praia das Trincheiras, nome que remete ao momento histórico de 1625, onde houve luta pela expulsão dos holandeses da capitania da Paraíba e as suas dunas foram utilizadas como “trincheiras naturais”. Ao sair do mar e entrar no município, foi possível identificar as Ruínas da Igreja de São Miguel Arcanjo, símbolo da presença forte do catolicismo na região. Em seguida, fomos recebidos na aldeia Laranjeira, que dispõe de área para acampamento, opções de café da manhã e lanche, ocas e trilhas para os turistas. A paisagem é verde e aconchegante, como a energia do local.

A estrutura da área, em andamento, e é feita com esmero pelo indígena que se chama Caboclo. Ele tem orgulho de dizer que o material utilizado vem todo da natureza, e de uma forma que não haja desmatamento. A trilha do silêncio, percurso guiado entre as matas, dentro da mesma aldeia, marcou a vivência. Caboclo nos conduziu até o início da caminhada e afirmou: “O percurso é para ser feito sem o uso de celulares”. Com exceção daquele momento, ele liberou que fossem realizados takes de imagens apenas até a metade do caminho, para fins de divulgação. Depois, os equipamentos foram guardados, em respeito à tradição e cultura local do povo.

Aldeia Laranjeira possui uma vasta área verde, sons dos pássaros da região e muita tranquilidade (Foto: Laura de Andrade)

O professor de Tupi, Kûarasy Ko’ema, em dado momento da imersão, disse: “A gente nasce, a gente cresce e a gente morre, mas o nosso povo continua nessa terra”. Uma promessa forte. Isso porque Baía da Traição foi palco de batalhas contra invasores que desejavam colonizar suas terras e costumes. Conversar com Kûarasy Ko’ema, membro comprometido em levar a história de luta do seu povo como devoção ao sagrado, foi como reforçar que a luta dele e de seu povo deve ser, sempre, muito honrada por todos.

Dando continuidade ao roteiro, visitamos a oca de Dona Mariinha, anciã Potiguara comprometida no resgate do Côco de Roda. O momento contou com muita música e dança na participação do Mestre Anselmo, também da região. A energia que vem do solo parece ser ainda mais ativada com os batuques. Em pouco tempo, todos mexiam o corpo. Depois, por volta de 12 horas, a refeição do almoço foi servida em mesa farta com cumbucas de camarão, peixe, pirão, macarrão, saladas em volta do Rio do Gôzo, localizado na aldeia Traiçoeira. A vasta beleza das matas reflete nas águas claras do rio e pode ser conferida através dos passeios disponibilizados pelo próprio pessoal da região, para quem quiser vivenciar a experiência.

O artesanato do povo potiguara pôde ser apreciado e adquirido no encontro dos anciões na aldeia Mãe de São Francisco. É interessante como cada recorte dos lugares visitados tem um significado. É possível descobrir de onde veio a semente que compõe as peças de artesanato, quando e como foi colhida, e por quem foi feito, por exemplo. Fogo, Ar, Terra e Água: todos os elementos carregam consigo uma representação dentro da cultura indígena brasileira.

A visita à aldeia do Alto do Tambá para o benzimento pelo Pajé Antônio ficará para sempre cravada na minha memória. Talvez tenha sido o mais perto que eu cheguei de Deus: chega a ser difícil traduzir o sentimento. A sensação ao escrever este texto é de querer voltar logo mais, porque Baía passou a ser, para mim, uma forma de ir de encontro com a paz.

Viva a Baía! Viva a jurema sagrada! Vida longa ao povo que protege a natureza!

*sob supervisão de Felipe Gesteira

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