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Cultura -
Advogada convida mulheres divorciadas para resgate da autoestima em festa com muito forró
Laura de Andrade*
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Manifestação cultural nordestina, a expressão artística do forró além de ritmo musical bom para os ouvidos, é convidativo para dançar a dois. Desde pequena, Soraya gostava de dançar. No entanto, como em outros relacionamentos, a vida a dois acabou moldando as individualidades do casal. O ex-marido dela, por exemplo, dançava pouquíssimo e ainda a proibia de procurar outro par. Assim, ela foi se distanciando do desejo antigo de dançar forró.

A dança sempre esteve presente na vida da advogada especialista em família Soraya Chaves. Sua trajetória, como em uma coreografia, é composta por diversos movimentos. Ora difíceis de executar, ora leves. Entre os momentos marcantes, teve o casamento de vinte anos junto ao seu ex-marido, em que viveu um relacionamento abusivo, avalia.

O evento não se limita à presença de mulheres divorciadas, e, sim, todas elas (Foto: Divulgação/Arquivo pessoal)

Assim como muitas mulheres, ela passou por um processo de separação doloroso e, no fim, libertador. Atualmente, trabalha com o atendimento jurídico familiarista com ênfase no divórcio e procura ir além das abordagens convencionais na atuação profissional. “Hoje o meu atendimento jurídico dessas mulheres é no escritório, em situação de separação, de divórcio, é integral. Eu vejo que não adianta entregar [somente] o resultado jurídico a elas, a sentença”, disse a advogada.

O início da carreira de Soraya aconteceu no contexto do seu casamento. A atuação pode ser dividida em duas partes: A primeira, como advogada de família com atuação desde os anos 2000, casada com um advogado dos seus 20 aos 40 anos. O relacionamento, segundo Chaves, era abusivo. Ela pontua que o despertar não veio no início do relacionamento, e, sim, com ajuda de sessões de terapia. Não envolvia violência física, mas psicológica, além de dependência emocional. O marido a impedia de exercer de forma plena o exercício da profissão, conta Soraya. A segunda parte chegou com a separação e uma especialização na área do divórcio, área que atua até os dias de hoje, aos 46 anos.

A carreira de Soraya não se resume aos atendimentos jurídicos do divórcio. Ela escolheu ir além dos atendimentos convencionais e resgatar mulheres não só através do campo restrito à advocacia. A partir disso, o atendimento passou ao que Soraya chama de “atendimento integral”. As histórias das suas clientes passaram a ser ouvidas com carinho – e conselhos. A ancestralidade, a terapia, frequência de exercícios físicos, qualidade do sono, da alimentação, o cultivo do prazer através da sexualidade são apenas alguns dos fatores que Soraya escuta e auxilia as suas pacientes em processo de divórcio.

“Mulheres em situação de separação, de violência, têm esse pedaço da vida comprometido”, disse Soraya, sobre o prazer das clientes. Mulheres recém-divorciadas passam por um processo de se reconectar com a carreira, os filhos, os hobbies e as paixões, conta a advogada.

“A mulher que está em um relacionamento abusivo ela esquece de si, é proibida de fazer o que gosta. A gente precisa reativar essa parte da vida dela! […] Normalmente elas perdem a identidade durante esse relacionamento. No momento da separação, pergunto o que elas gostam e elas não lembram. Elas só sabem cuidar dos filhos, trabalhar, cuidar do marido, cuidar da casa”, disse a advogada. Ela diz, ainda, que o processo do divórcio não é automático, e essas medidas ajudam na sustentação da decisão.

Soraya Chaves (Foto: Arquivo pessoal)

Quem é você para derramar meu mungunzá?

O “resgate”, como Soraya chama o período após o divórcio, fez com que ela se reconectasse com o que gostava de fazer antes do casamento: dançar! Com o novo movimento da vida, recuperou essa saudade, criou a própria festa e convidou diversas mulheres para dançarem junto e celebrar as liberdades individuais de cada uma.

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Dois anos após a separação, veio a ideia de criar um perfil na rede social digital Instagram, o @mulheresbemdivorciadas. É nele que são compartilhados conteúdos tanto para homens, quanto para o seu público em maior número, que são as mulheres. Os homens consomem o material como forma de alerta e não reprodução de machismos. As mulheres, para descobrir o que é suportável ou não dentro de uma relação. Com o tempo, o seu público passou a acompanhá-la não só nas postagens, como também no Forró das Mulheres Bem Divorciadas.

Dois para lá, dois para cá: a primeira edição do Forró das Mulheres Bem Divorciadas

Na história do forró, o seu surgimento pode ter relação com os bailes populares do século 19, em que era necessário arrastar os pés para que a dança não levantasse a poeira do chão. A dança que o forró propõe, ainda que seja a dois, representa também a liberdade de escolha das mulheres e seus pares, e o primeiro evento de Soraya não foi diferente.

A primeira edição contou com uma ideia cheia de ironia ao que costuma acontecer nas noites dos bares. Se o que acontece com recorrência é as mulheres entrarem de graça nos estabelecimentos, na festa da advogada, os homens que entraram de graça.

Para Soraya, a primeira estratégia é uma forma de reforçar a herança patriarcal ainda presente na sociedade e objetificar a mulher. “Se a mulher não paga, ela é o produto. Se ela é o produto, ela está disponível para os homens que podem usar e abusar do corpo delas”, diz Soraya, sobre a lógica mercadológica. Há uma outra intenção, que é a de usar a mulher como isca para atrair mais homens, que seriam os maiores consumidores e pagantes de comidas e bebidas. “Isso dentro de uma mentalidade totalmente equivocada, machista e patriarcal”, disse.

Nesta segunda edição, não são todos os homens que entrarão gratuitamente na festa (Foto: Divulgação/Arquivo pessoal)

O debate em oferecer gratuidade aos homens, subvertendo a lógica mercadológica, foi a de informar aos homens e mulheres da real intenção, para Soraya, da promoção que costuma ser oferecida, em que o acesso da mulher é facilitado com intenções machistas. Na festa da advogada, a intenção não é a de “usar os corpos” dos homens, e nem usá-los como isca. “A maior dificuldade que as mulheres em situação de separação e divórcio enfrentam em ambientes de dança é que tenha quantidade suficiente [de homens] e que tenham homens qualificados para que elas possam dançar”, disse Soraya, que não gostaria que isso acontecesse no Forró das Mulheres Bem Divorciadas. 

Nesta segunda edição, só homens convidados entrarão de forma gratuita. Soraya justifica que as despesas precisam ser pagas, além de ter recebido mensagens de mulheres totalmente contra a iniciativa da proposta. Elas defendem que os homens já são extremamente privilegiados na sociedade e, em um evento dedicado às mulheres, eles seriam ainda mais “premiados” por serem homens, caso entrassem “de graça”. “O privilégio [de dançar com as mulheres] seria deles [caso entrassem no evento sem pagar]!”, pontua Soraya. Nesta segunda edição, será disponibilizada uma quantidade limitada de ingressos para monitores de dança. Estes homens são alunos da dança de salão e se disponibilizam a passar a noite inteira dançando. O objetivo é ter homens suficientes para dançarem com as mulheres”, disse Soraya.

As mulheres que estavam em relacionamentos abusivos, em situações extremas de violência poderão fazer o que, por muito tempo, lhes foi difícil: escolher quando, com quem e como querem dançar. E Soraya, que por muito tempo esteve nessa condição, poderá curtir a iniciativa de fazer a própria festa mais uma vez e, claro, forrozear.

O 2º Forró Mulheres Bem Divorciadas acontecerá no Villa Vanna Hall, no bairro Portal do Sol, no dia 19 de janeiro, a partir das 19 horas. Entre as atrações estão Dj Samir Gomes e Thaís Nogueira.

Confira a postagem no Instagram:

*Sob supervisão de Felipe Gesteira

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