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A cada 4 mulheres, 3 afirmam que o caimento das roupas ajuda a determinar se estão felizes com o próprio corpo
Laura de Andrade*
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Sapatos que machucam os pés. Roupas que apertam o corpo e até impedem o movimento natural. Tendências de moda que mudam com frequência. Parafraseando Beyoncé na canção “Pretty hurts”, será que a beleza realmente precisa doer? O relatório Mulheres no Brasil, realizado pela Opinion Box, divulgado neste mês em alusão ao 8 de Março, Dia Internacional da Mulher, trouxe à tona um tema importante: a moda feminina muitas vezes prioriza o estilo em detrimento do conforto. Segundo a pesquisa, a cada 4 mulheres, 3 afirmam que o caimento das roupas ajuda a determinar se elas estão felizes ou não com o próprio corpo.

É o movimento do mercado que acaba pautando como boa parte das mulheres se vestem, e não o contrário. Assim, vários itens do vestuário feminino acabam causando desconfortos – até psíquicos – para quem faz seu uso. Mas tem quem esteja na onda contrária ao que dita a indústria da moda.

Se a moda feminina não busca priorizar o conforto, é na moda masculina que isso parece acontecer com mais facilidade. Roupas soltas, bolsos mais largos, sapatos fáceis e pouca cobrança. A palavra é praticidade. Por que, então, a imagem que se espera de uma mulher não pode ter a mesma prioridade?

A produtora de eventos Isa Batista conta que é frustrante entrar na sessão feminina de uma loja e não achar roupas bonitas, confortáveis e com custo-benefício bom para o seu bolso com facilidade. “Me questiono o motivo de uma roupa para mulher ser tão desconfortável, cara e não poder ser simples como na sessão masculina”, afirmou. Segundo a pesquisa, 39% das mulheres têm dificuldades de achar roupas que caiam bem no corpo. 

Isa Batista considera o conforto como fator determinante na escolha de uma peça (Foto: Arquivo Pessoal)

Além da dificuldade em encontrar roupas que aliam conforto e estilo, Isa já passou por várias situações constrangedoras envolvendo o tema. “Já tive vestido que rasgou minha pele por conta do zíper invisível, blusa rasgada devido ao material ser frágil e encalhar com facilidade… também já precisei cortar mecha de cabelo que ficou enroscada em botão de blusa mais de uma vez”, conta.

Hoje, Isa considera o conforto como fator determinante na escolha de uma nova roupa. Ela leva em consideração o tecido e se consegue locomover-se bem, sem apertos. São questões mais importantes até do que o valor da peça. “Levo o conforto como prioridade. Se estou pronta para sair e a roupa se mostrou desconfortável, eu troco sem pensar duas vezes”, disse a produtora de eventos.

Pressão para se encaixar em um padrão

Assim como Isa, a pesquisadora em Planejamento de Sistemas Energéticos, Beatriz Petrucci, acredita que o conforto é essencial em qualquer lugar. Mas nem sempre foi assim. Na adolescência, sentiu-se pressionada a se encaixar em um padrão, estar na tendência do momento. Caso não seguisse à risca, se via excluída do meio que estava inserida. “Foi um período que era muito comum o uso de jeans apertados e roupas justas. Lembro dessa época com bastante desconforto e marcas no corpo depois de um dia sendo apertada por ‘tendências do momento’”, conta Beatriz.

Beatriz Petrucci se sentiu pressionada na adolescência (Foto: Arquivo Pessoal)

Esse “padrão” ao qual Beatriz se refere é reforçado pelas imagens de beleza que, muitas vezes, são usadas contra as próprias mulheres. É o que diz a escritora feminista estadunidense Naomi Wolf no livro “O mito da beleza”. Segundo a autora, “o culto à beleza e à juventude da mulher” é incentivado pelo patriarcado e tenta controlar as vontades das mulheres. Distúrbios alimentares e mentais podem ser desenvolvidos devido aos impactos da indústria da moda. 

A pesquisa da Opinion Box ouviu 1.124 pessoas, sendo 45% homens e 55% mulheres. 80% das mulheres acreditam que as roupas podem impactar na relação com o próprio corpo e na saúde mental. Questionada sobre o assunto, Beatriz afirmou que é comum experimentar estilos diferentes de roupas e se questionar: “É o mesmo corpo?”, se referindo a ela mesma. “Existem certas roupas que me sinto mais favorecida e isso acaba se relacionando intrinsecamente com a minha autoestima, minha saúde mental e consequentemente sinto mais confiança no dia a dia”, disse Petrucci.

É preciso cuidar do emocional

Segundo a psicóloga clínica especialista em saúde mental Sarah Araujo, a construção da mulher contemporânea é atravessada pelos signos da beleza, fundamentada em um discurso que ela chama de “santíssima trindade feminina” e que envolve a estética, a saúde e a juventude. A relação com o corpo, portanto, acaba sendo mediada pelas tendências de moda, por corpos que dificilmente serão uma referência condizente com a realidade da maioria das mulheres “se entendermos a moda como um comportamento a ser alcançado”, disse a psicóloga.

“É justificável que nós mulheres vivamos com essa ansiedade de que o que temos e somos não basta. Ainda não chegamos lá! Toda a pressão por uma identidade estética que nos traga senso de pertencimento altera nosso senso de conforto subjetivo. Então é preciso cuidar para que emocional e físico não se separem nesse nosso processo constante de ‘vir-a-ser’”, afirmou Sarah.

A psicóloga Sarah Araujo alerta para que emocional e físico não se separem (Foto: Arquivo Pessoal)

Conforto como prioridade

Se anos atrás o uso de salto alto foi uma questão que incomodava a Beatriz da juventude, hoje ela consegue ver outras alternativas com a prioridade do conforto na escolha das peças e com a diversificação da indústria da moda. “Atualmente eu considero que encontrar uma roupa confortável e estilosa é algo bem mais possível do que há uns anos. Vejo que já existem marcas no mercado que prezam por essa união [conforto e beleza] e vejo também que isso tem se tornado um estilo de vida inegociável”, disse.

Beatriz valoriza a originalidade e o conforto como fatores que podem estar juntos no dia a dia e acredita que a forma que está vestida pode comunicar algo para as pessoas. Ou seja, o estilo pode ir além do que a moda dita. O movimento do mercado está atento às mudanças de comportamento e está passando a aliar cada vez mais o conforto com ótimos designs. É o que acredita a estudante Kananda Arao. 

Kananda Arao já se arrependeu por não priorizar o conforto (Foto: Arquivo Pessoal)

Hoje, Kananda busca valorizar a qualidade da peça e o conforto. Tenta alinhar o gosto e o bem-estar, e só leva uma peça ao se sentir bem. Mas nem sempre foi assim. Ela conta que foi a um festival de música e não considerou tanto ir confortável, e, sim, se sentir bonita. Chegando lá, se arrependeu da escolha. Foram cerca de 12 horas de evento. “Honestamente nem parei para pensar quando tava comprando as peças do look, o que deveria rolar, mas a gente tá sempre comprando no automático, pelo que é mais bonito ou impulsionado pelas tendências […] Eu tava linda? sim! Mas a custo de quê?”, refletiu.

Quando o assunto é salto alto, Kananda conta que costuma ter dificuldade para locomoção. O sapato com salto fino já fez o seu pé doer, já que o calçado não tem uma estrutura boa para a base que sustenta todo o corpo.

Desconforto vira perrengue

No mundo musical, a cantora Dua Lipa, durante a premiação do Globo de Ouro, em Los Angeles, chegou a compartilhar um “perrengue” que a acompanhou durante a importante noite: com um vestido luxuoso e justo no corpo, ela sentiu dificuldades ao sentar na cadeira do evento. Na rede social digital Instagram, Dua Lipa compartilhou um vídeo e se queixou de faltar uma cadeira “reclinável” na ocasião, em tom de brincadeira.

Dua Lipa sentiu desconforto ao sentar em uma cadeira simples (Foto: Reprodução/Instagram)

O que as marcas têm feito?

Comunicadora, empresária e criadora de conteúdo, Lela Brandão é fundadora da loja de roupas Lela Brandão Co. Ela acredita no conforto da mulher como um ato revolucionário e coloca a ideia em prática na empresa através da criação das peças de roupas. São três pilares principais levados em consideração para a criação das peças, segundo o seu blog: conforto, adaptabilidade, mobilidade e bolsos gigantes. Conhecer o seu estilo pessoal, investir em peças-chave versáteis e calçados confortáveis são dicas para escolha de looks confortáveis, segundo Lela.

Lela Brandão criou sua marca de roupas durante a pandemia (Foto: Reprodução/Instagram)

Outro fator interessantes das peças da Lela Brandão Co. é que várias delas possuem bolsos grandes. Não são como os bolsos tradicionais das roupas femininas, geralmente pequenos e que não cabem muitas coisas. Lela escolheu colocar bolsos com mais utilidade.

Nas redes sociais digitais, é possível observar uma mudança rumo ao conforto também entre as influenciadoras. A diretora de conteúdo e apresentadora Hariana Meinke, por exemplo, escolheu usar no seu casamento um macacão branco com tênis, no lugar do tradicional vestido branco das noivas. Passando entre as publicações no Instagram, é fácil notar que o seu estilo inclui peças mais leves e atemporais.

Ainda segundo a pesquisa da Opinion Box:

  • Apenas 13% das mulheres ouvidas consideram muito difícil encontrar uma roupa “para sair” que seja confortável
  • 76% das mulheres afirmaram que o caimento das roupas ajuda a determinar se elas estão felizes ou não com o próprio corpo
  • 16% das mulheres afirmaram que as suas roupas possuem bolsos funcionais
  • 76% responderam que costumam utilizar roupas confortáveis em casa e 66% para dormir

*sob supervisão de Felipe Gesteira.

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