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Moradores da zona rural na Paraíba sofrem dias inteiros sob descaso e falta de energia elétrica
Laura de Andrade*
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A energia elétrica está presente no dia a dia de todos, seja na economia, no emprego, na renda do povo brasileiro. Na Paraíba, para que a energia chegue até a casa dos consumidores, a empresa de distribuição de energia elétrica do estado, a Energisa, é responsável por abastecer não só as cidades com grande número de habitantes, como as comunidades e famílias que vivem em áreas mais isoladas. A Energisa afirma que “não há fronteiras para essa missão”. Por outro lado, o serviço oferecido à população da zona rural da Paraíba mostra que a prioridade está nas grandes cidades.

Consumidores são obrigados a buscar alternativas à energia elétrica quando falta luz (Foto: Laura de Andrade)

Quem mora distante das grandes cidades acaba sentindo com mais intensidade o impacto da falta de energia. Sertanejos já chegaram a passar mais de 37 horas sem energia. São comerciantes, idosos, pessoas que dependem da energia para as atividades do dia a dia, seja no trabalho ou no descanso. É o caso da artesã Eridan Lúcio, de 80 anos, que mora em um sítio na zona rural de Patos, no Sertão da Paraíba.

Ela trabalha com um tipo de artesanato de tecidos, o patchwork, costura e bordado. “Sempre tenho alguma coisa em andamento, geralmente encomendas. Tudo isso é afetado pela falta de energia”, conta a artesã. 

No dia 20 de abril, por volta das 19h40min, houve uma queda de energia no sítio de Eridan. Os filhos notificaram a Energisa pelos canais oficiais, mas contam que o problema não foi resolvido com prontidão. “Na manhã seguinte, doze horas depois, meu filho ligou novamente e a atendente veio com uma história dizendo que havia o registro de uma reclamação feita às 14 horas do dia anterior, que uma equipe tinha se deslocado ao local e não tinha constatado nenhum defeito”, disse Eridan.

Quem paga a conta dos prejuízos causados pela falta de energia?

Durante a madrugada, o calor foi intensificando na casa de Eridan. Com isso, o filho da artesã não consegue dormir sem ventilador, devido ao calor. “Dormindo ou não, às 4h da manhã ele tem que estar no curral para ordenhar as vaquinhas cujo leite é vendido para a manutenção do gado”, contou a mãe. 

Até a energia ser restabelecida, Eridan perdeu alimentos e medicamentos que eram mantidos sob refrigeração. As aves abatidas que são vendidas pela família precisaram ser levadas para o congelador de um morador de outro sítio, para que não fossem perdidas. Assim, continuou sem energia por cerca de 40 horas. Esse não foi um caso isolado. Foi a quarta vez que eles tiveram problemas com a falta de energia desde janeiro deste ano.

Questionada sobre o porquê da falta de energia demorar a ser solucionada na zona rural da Paraíba, bem como o tempo médio de espera para ser restabelecida nas grandes cidades, em comparação ao da zona rural de Patos e Matureia, a Energisa Paraíba não respondeu à reportagem.

Enquanto isso, moradores da zona rural como Eridan continuam sofrendo com a falta de energia. “Tudo isso é muito desgastante […] acho um absurdo o descaso da Energisa conosco, usuários da zona rural”, diz a artesã.

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Apesar dos relatos sobre falhas na prestação do serviço, a Energisa afirma que investe e está estruturada para prestar um serviço de qualidade para toda Paraíba, independente da região. Segundo a empresa, estão sendo destinados mais de R$ 150 milhões ao Sertão da Paraíba, contemplando, entre outras ações, interligações e instalação de religadores de linha em Patos.

Para o advogado Jonas Luck, que atua na área do Direito Civil, quando há falhas na prestação de serviços essenciais, como o fornecimento de energia elétrica, o consumidor tem meios legais para buscar reparação. 

“O Código de Defesa do Consumidor assegura o direito a um serviço adequado e eficaz, podendo o consumidor recorrer à Justiça tanto individualmente quanto por meio de órgãos como a Defensoria Pública ou o Ministério Público. Além disso, há outras formas de buscar solução para o problema, como denúncias à Aneel ou aos procons municipais ou estaduais”, afirmou o advogado.

A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) disse à reportagem que a Energisa tem responsabilidades com a eletrificação rural, e algumas ações são essenciais para garantir o fornecimento adequado de energia elétrica nas áreas de atuação.

“Particularmente em relação à eletrificação rural, a concessionária [Energisa] obriga-se a implementar e participar de programas de eletrificação rural, com vistas à incorporação da potencial demanda desse segmento e ao pleno atendimento do mercado de energia elétrica em sua área de concessão”, afirmou a Aneel.

Bertran Feitoza (Foto: Arquivo Pessoal)

Em Maturéia, ainda na Paraíba, as quedas de energia também afetam o proprietário da Ecovila Maturi, Bertran Feitoza. Ele chegou a perder vários clientes, tanto na sua pousada, quanto no restaurante, durante o Festival de Voo Livre, um evento que conta com a participação de competidores e admiradores do voo livre. Foram dois dias seguidos de falta de energia, prejudicando o evento e causando prejuízos financeiros a Bertran.

Só neste ano, o empresário contou pelo menos quatro ocorrências desse tipo na sua área. “Se faltar energia só na nossa área, teremos que aguardar no mínimo até o dia seguinte, normalmente a energia só volta no final da tarde do dia seguinte. Se for final de semana é pior”, disse Bertran. 

O empresário também sente dificuldades ao emitir novas ordens de serviço com a Energisa. “Através do aplicativo é bem fácil, mas o problema é que quase sempre eles não dão baixa nas ordens de serviço anteriores, o que impossibilita a abertura de chamado através desse canal, sendo necessário ligar no 0800. Agora mesmo há uma ordem de serviço de 6 de março aberta e já tive que ligar no 0800 três vezes desde então”, contou Bertran.

Bertran defende que a equipe da Energisa poderia ser mais numerosa em época de chuvas, pois ele e outros moradores já chegaram a passar três dias consecutivos sem energia. “Esse ano mesmo, vários sítios vizinhos ficaram entre 3 e 4 dias sem energia”, disse.

A falta da energia elétrica prejudica os consumidores que vivem na zona rural (Foto: Laura de Andrade)
Como denunciar

Consumidores que sentem-se prejudicados pela má qualidade do serviço podem procurar o Ministério Público para formalizar uma denúncia. “É aconselhável procurar o Ministério Público para formalizar uma denúncia e buscar um Termo de Ajustamento de Conduta. Isso pode obrigar a distribuidora a melhorar o serviço de forma coletiva, beneficiando toda a região”, disse o advogado Jonas Luck.

Em nota, a Energisa afirma que tem ampliado o contingente de profissionais que atuam na região e, atualmente, entre próprios e terceirizados, possui cerca de 750 colaboradores atuando especificamente no oeste do estado.

Até o final da reportagem, a Aneel não respondeu qual é o quantitativo de reclamações de consumidores no que se refere ao atendimento da Energisa Paraíba na zona rural do estado, nem se pode haver diferenças no tempo de atendimento aos consumidores de zona rural, em relação aos de zona urbana.

Confira a nota da Energisa na íntegra:

“A Energisa esclarece investe e está estruturada para prestar um serviço de qualidade para toda Paraíba, independente da região. Este ano, o investimento previsto é superior a R$ 480 milhões, que estão sendo aplicados na ampliação, modernização e automação do sistema elétrico do estado. Deste montante, mais de R$ 150 milhões estão destinados ao Sertão da Paraíba, contemplando, entre outras ações, a instalação de mais de 40 religadores automáticos, que permitem a recomposição remota do fornecimento; construção de novo alimentado na cidade de Cajazeiras; interligações e instalação de religadores de linha em Patos; instalação de reguladores de tensão e religadores para alternativa de alimentação em Bonito de Santa Fé e Monte Horebe. 

Além disso, está prevista também a expansão da capacidade e a interligação de subestações, trazendo ainda mais robustez ao sistema elétrico do Sertão e Alto Sertão. Além dos investimentos em infraestrutura de rede, a Energisa tem ampliado o contingente de profissionais que atuam na região e, atualmente, entre próprios e terceirizados, são cerca de 750 colaboradores atuando especificamente no oeste do estado.

A concessionária destaca ainda que cumpre os indicadores de qualidade do fornecimento de energia e atendimento, regulados pela Agência Nacional de Energia Elétrica, inclusive performando melhor do que o estabelecido pelo órgão regulador. Por fim, a Energisa reafirma seu compromisso de prestar o melhor serviço aos seus clientes em todo o estado.”


*Sob supervisão de Felipe Gesteira

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