A eleição do cardeal Robert Francis Prevost como novo papa da Igreja Católica e sua escolha de nome a ser utilizado, Leão XIV, remonta a seu antecessor. Vincenzo Gioacchino Raffaele Luigi Pecci, mais conhecido como Papa Leão XIII, nasceu em 2 de março de 1810, em Carpineto Romano, uma pequena cidade perto de Roma, e faleceu em 20 de julho de 1903, aos 93 anos, após um dos mais longos pontificados da história da Igreja Católica (1878-1903).
Intelectual brilhante, diplomata astuto e pastor visionário, Leão XIII foi o artífice de uma Igreja que buscou dialogar com o mundo moderno, reconciliando a fé católica com os desafios da Revolução Industrial, do liberalismo e das novas correntes filosóficas. Seu reinado de 25 anos, marcado por 86 encíclicas e iniciativas revolucionárias, como a Rerum Novarum, consolidou-o como um dos papas mais influentes dos tempos modernos, um “papa social” cuja visão ressoa até hoje.
Filho do conde Lodovico Pecci e de Anna Prosperi Buzi, Vincenzo cresceu em uma família aristocrática de sete irmãos, profundamente católica e leal à Santa Sé. Educado pelos jesuítas em Viterbo e no Collegio Romano, destacou-se desde jovem por sua inteligência aguçada. Estudou teologia, direito e administração, formando-se com louvor na Academia dos Nobres Eclesiásticos, em Roma, uma escola de elite para futuros diplomatas da Igreja. Ordenado sacerdote em 1837, Pecci combinava uma mente erudita com um carisma discreto, qualidades que o levaram a uma carreira eclesiástica meteórica.
Antes de ascender ao papado, Pecci acumulou vasta experiência como administrador e diplomata. Nomeado delegado apostólico em Benevento, Spoleto e Perugia, lidou com conflitos políticos e revoltas liberais, mostrando habilidade para equilibrar firmeza e conciliação. Em 1843, foi nomeado núncio apostólico na Bélgica, onde enfrentou tensões entre católicos e liberais, ganhando respeito por sua diplomacia. Em 1853, tornou-se arcebispo de Perugia, cargo que ocupou por 25 anos, transformando a diocese em um centro de renovação espiritual e cultural. Sua eleição como papa, em 20 de fevereiro de 1878, aos 68 anos, veio após a morte de Pio IX, em um conclave que buscava um líder capaz de navegar as turbulentas águas do século 19.
Leão XIII assumiu o trono de Pedro em um contexto de crise para a Igreja. Os Estados Pontifícios haviam sido anexados pelo Reino da Itália em 1870, confinando o papado ao Vaticano e alimentando a chamada “Questão Romana”. A Europa vivia o auge do secularismo, com o liberalismo, o socialismo e o positivismo desafiando a autoridade eclesiástica. Contra esse pano de fundo, Leão XIII optou por uma abordagem pragmática, rejeitando o isolacionismo de seu antecessor e promovendo um diálogo cauteloso com a modernidade.
Seu pontificado foi definido por uma produção intelectual prodigiosa. Autor de 86 encíclicas, Leão abordou desde a espiritualidade mariana (Octobri Mense) até a filosofia tomista (Aeterni Patris), que revitalizou o pensamento de Santo Tomás de Aquino como base da teologia católica. Sua encíclica mais célebre, Rerum Novarum (1891), é considerada o marco fundador da Doutrina Social da Igreja. Nela, Leão XIII defendeu os direitos dos trabalhadores, condenando tanto o capitalismo desenfreado quanto o socialismo marxista, e propôs um modelo de justiça social baseado na dignidade humana e na solidariedade. “Ele trouxe a Igreja para o centro do debate social”, observa o historiador John McGreevy. A encíclica inspirou movimentos sindicais católicos e influenciou legislações trabalhistas em todo o mundo.
Leão XIII foi um mestre da diplomacia, buscando reconstruir a influência da Igreja em um mundo hostil. Na França, incentivou os católicos a aceitarem a Terceira República (ralliement), superando a resistência monarquista. Na Alemanha, mediou o fim da Kulturkampf, a campanha anticatólica de Bismarck, restaurando a liberdade religiosa. Estabeleceu relações com nações não católicas, como a Rússia e os Estados Unidos, e abriu o diálogo com a Igreja Anglicana, embora sem sucesso na reunificação. Sua habilidade diplomática também se refletiu na nomeação de cardeais de diversas nacionalidades, ampliando a universalidade da Igreja.
Apesar de sua abertura, Leão XIII manteve posições firmes em questões doutrinárias. Condenou o liberalismo radical, o maçonismo e o secularismo em encíclicas como Humanum Genus e Libertas, defendendo a supremacia da fé sobre a razão desenfreada. Sua visão, no entanto, não era retrógrada: ele abriu os Arquivos Secretos do Vaticano a pesquisadores, incentivou estudos bíblicos e fundou a Pontifícia Comissão Bíblica, sinalizando um compromisso com a ciência e a erudição.
Fisicamente frágil, mas mentalmente vigoroso, Leão XIII surpreendeu pelo vigor em seus últimos anos. Conhecido por sua simplicidade, preferia refeições frugais e caminhadas nos jardins do Vaticano. Era poeta amador, escrevendo versos em latim, e tinha paixão por vinho branco, que tomava em pequenas doses por recomendação médica. Sua longevidade — foi o primeiro papa a ser filmado, em 1896 — tornou-o uma figura quase mítica, apelidado de “Papa Eterno” pelos romanos.
Quando morreu, em 1903, Leão XIII deixou uma Igreja revitalizada, mais sua influência perdura na Doutrina Social, no renascimento tomista e na abertura da Igreja ao diálogo com o mundo. “Ele foi um papa de transição, que preparou a Igreja para o século XX”, afirma o vaticanista Austen Ivereigh. Sua canonização, embora nunca formalizada, é defendida por alguns, que o veem como um santo da justiça e da razão.
Leão XIII não resolveu a Questão Romana (que só seria selada em 1929), mas reposicionou a Igreja como uma voz moral em um mundo em transformação. Seu legado é o de um pontífice que, com sabedoria e coragem, reconciliou tradição e modernidade, deixando um exemplo de liderança que continua a inspirar.