Desde sua chegada à Casa Branca, Donald Trump se apresenta como o toureiro que desafia, vestido de luzes, o touro do establishment político norte-americano. Suas habilidades performáticas, seu instinto certeiro de comunicador, a falta de limites éticos e sua audácia em submeter qualquer um ao insulto e à humilhação inspiram uma espécie de fascinação entre seus seguidores – e o medo de contrariá-lo e ser removido de forma desonrosa de seu círculo de colaboradores.
Após estes 100 dias em que suas provocações e mudanças bruscas de rumo colocaram o mundo em alerta vermelho, é necessário examinar o que tem guiado suas ações: o Projeto 2025.
Cada movimento, inclusive a surpresa e velocidade com que Trump age para reduzir o tempo de reação de seus críticos, faz parte desse plano. Preparado por grupos conservadores de direita, apoiados pela Heritage Foundation, o projeto foi concebido para que a pessoa que assumisse o poder em nome dos republicanos agisse decisivamente desde o primeiro dia de seu mandato.
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Apesar de termos ouvido muito sobre o Projeto 2025, lê-lo é entender os objetivos de uma direita conservadora que, ao se sentir excluída do poder, elaborou uma estratégia e preparou um mapa para recuperá-lo firmemente e derrotar o liberalismo predominante, sem considerar os custos.
Com prefácio do agora vice-presidente J.D. Vance, o Projeto 2025, escrito em linguagem apocalíptica, parte da convicção de que o país foi tomado pela esquerda marxista. Adverte que esta se infiltrou em todos os níveis da administração pública e que, para extirpá-la e reverter o avanço cultural esquerdista, é necessário agir rapidamente. Desenvolve a tese de que “a política depende das pessoas” e que, portanto, substituir o pessoal por indivíduos leais – tarefa atribuída a Elon Musk – é um ponto crucial.
Transcrevo aqui um trecho da introdução de Kevin D. Roberts:
“Não estamos em 1980. Em 2023, o tabuleiro é outro. O marxismo cultural avançou e completou sua longa marcha através de nossas instituições. O governo federal foi transformado em uma arma gigantesca contra os cidadãos americanos e os valores conservadores. A liberdade está sob cerco como nunca antes. A tarefa de reverter esta situação e restaurar nossa República às suas bases originais é grande demais para qualquer um dos grupos políticos conservadores liderar sozinho. Requer a ação coletiva de nosso movimento. A partir de janeiro de 2025, teremos dois anos e uma única chance para acertar.
O Projeto 2025 reúne mais de 50 (e continuam se juntando) das principais organizações conservadoras do país, unindo forças para se preparar e aproveitar o momento. O axioma diz: ‘A política depende das pessoas’, e precisamos de uma nova geração de americanos que atenda ao chamado e venha servir. Este livro é, em essência, um convite para você, leitor: Sr. Smith, Sra. Smith e Srta. Smith, para que venham a Washington ou ofereçam seu apoio onde puderem. Nosso objetivo é reunir um exército de conservadores alinhados nesta missão, avaliados, treinados e preparados para trabalhar desde o primeiro dia na desconstrução da atual administração do Estado.”
Em outra de suas partes centrais, o Projeto 2025 define seu objetivo filosófico: “Restabelecer o poder da direita conservadora devolvendo à família cristã seu papel como núcleo fundamental da sociedade.”
Especificamente, argumenta que as políticas de identidade livre (identity politics) ou o “wokismo” ameaçam esses valores. Daí que demolir as iniciativas DEI (diversidade, equidade e inclusão) e as políticas baseadas nesses princípios tenha sido um dos primeiros mandatos implementados pela administração Trump nestes 100 dias. Avançar na proibição do direito ao aborto em todo o país faz parte desse mesmo objetivo.
O cerne do mandato autoritário visado pelo Projeto 2025 consiste em centralizar a autoridade no presidente, segundo a teoria do Executivo Unitário, que busca dar ao poder executivo controle total sobre o governo, em detrimento da autonomia das agências federais, dos juízes e dos freios e contrapesos prescritos na Constituição.
O Projeto 2025 aborda cada departamento e agência do governo. As mudanças radicais implementadas contra as políticas de conservação ambiental, desenvolvimento de energias renováveis e combate às mudanças climáticas fazem parte desse plano.
A leitura deste documento permite constatar com alarme que a sequência de decretos assinados por Donald Trump desde seu primeiro dia no cargo emana diretamente dos preceitos ideológicos do projeto que, durante sua campanha, ele disse desconhecer.
Fica claro que Trump encontrou um manual para seu liderado, uma maneira de soar coerente e parecer ter domínio sobre a tarefa de governar. É evidente que a presença de Musk tem desempenhado papel central na “limpeza” de pessoal considerada crucial para esses objetivos.
Não apenas a população dos Estados Unidos enfrenta e enfrentará ideias semelhantes a esta proposta radical das direitas conservadoras. É hora das forças progressistas unirem o que Rubén Darío chamava de seus “vigores dispersos” e elaborarem uma estratégia comum para deter o retrocesso que nos ameaça.
Texto de Gioconda Belli, traduzido do El País.