Jornalista e doutoranda em Informação e Comunicação em Plataformas Digitais pela Universidade do Porto (PT). Autora do livro Flores nos Canteiros (A União, 2018). Interesse em temas sobre feminismo, viagens, comunicação e redes sociais. flavia.lopes.sn[a]gmail.com
Jornalista e doutoranda em Informação e Comunicação em Plataformas Digitais pela Universidade do Porto (PT). Autora do livro Flores nos Canteiros (A União, 2018). Interesse em temas sobre feminismo, viagens, comunicação e redes sociais. flavia.lopes.sn[a]gmail.com
É guerra. Dentro e fora de mim
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(Foto: Flávia Lopes)

Não há um dia sequer que eu não pense em guerras, dentro e fora de mim. Enquanto um genocídio estoura no Oriente Médio, a gente também trava nossas guerras particulares. Enquanto mata-se crianças, jovens, adultos, velhos, morremos um pouco a cada dia na luta do cotidiano.

Chega um e-mail da conta para pagar. Cai uma bomba no Irã. Uma ligação de telemarketing fazendo cobrança. Israel manda mais bomba a Gaza para pessoas famintas. Mais uma magnífica oportunidade de assinar um plano de internet. Imperdível. Um meme de um macaco. Uma notícia de uma iminência de uma guerra nuclear. Rotas de perigo são traçadas em mapas digitais compartilhadas nas redes. Um lembrete do Linkedin de mais uma proposta de vaga que te interessava há dois segundos. Atrás. Já passou. Um post anuncia mísseis. E a vida passa na rapidez do scrolling, do rolar o feed, das pop ups. Dos cookies. Mas nada é doce. Desculpem o pessimismo. Desculpem o texto cru. Mas cru é prefixo de crueldade. É disso que estou falando. Dos outros. Da minha comigo mesma.

Travo uma guerra agora nesse momento: Será que dá tempo de ser feliz antes do mundo acabar? Batalha minha. Nossa. Minha comigo mesmo. Minha com o deus Khronos. Sem tempo.

Mais de 55 mil pessoas mortas em Gaza (até agora link Mortes em Gaza pela guerra passam de 55 mil, diz governo do Hamas | Mundo | G1). Cerca de 60 mil pensamentos por dia o cérebro humano pode fazer (segundo o Chat GPT). O mundo perde aproximadamente mais de 3 bilhões de pensamentos por dia. Para onde vão todas essas memórias, desejos, afetos, sonhos? Superlotação no mundo das ideias de Platão? Mas “ninguém nem pensa mais”, dizem. Estamos preguiçosos com a inteligência artificial. A palavra do ano de 2024 é Brain Rot, cérebro podre  (Brain rot” é a palavra do ano do dicionário de Oxford; saiba o que significa | CNN Brasil). Para 2025 seria Heart Rot. Coração apodrecido. 

Nesse meio tempo vou tentando respirar. Lembro do meu ex que me ensinou que o Irã não é o grande vilão, que sofre retaliação desde 1979 quando disse não ao Ocidente que cobiçava seu petróleo. A cobiça condena quando não correspondida. Li Persépolis. Leiam. Marjane Satrapi explica que a ocidentalização foi apogeu e derrota da grande nação persa. Hoje o que reina é um estado autocrata, ditador, fundamentalista. Mas, um dos únicos que protegem, e sustentam, a população de Gaza. A verdadeira vítima.

Enquanto isso luto outras guerras. Internas. Como anda ele? O que será que faz da vida? A família vai bem? Caiu uma bomba? Eu morri? Quem morreu? Ninguém morreu. Ufa. Foram só desconhecidos. Mas, conhecidos de alguém. Sofro de novo em intervalos de segundos do alívio mais instantâneo que os amores líquidos que vivi em menos de 30 dias. Da tumba, Bauman deve estar orgulhoso da sua teoria. Ou não. Tanta gente líquida. Nesse mar eu também sou gota. Sofro de liquidez. Sofro de Heart Rot.

Mas, só sofre quem tem vida. Quem preza pela vida. Quem pode morrer. Quem vive.  Vivo e morro quase todo dia. Quase que rezo, já meio que quase não sei mais. É fácil desaprender quando Deus não está olhando. Será que Ele está olhando?

Eu, agora tão Severina. Tão Morte e Vida. Em pleno São João, chorando quando não danço forró, enquanto o mundo estoura.  

Qual será a próxima bomba? Dentro e fora de mim. Aguardo a qualquer momento mais uma explosão. 

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