Do tanto que já tratamos esse tema, em rodas de discussões, na imprensa, nas redes sociais digitais, neste espaço, chega a parecer exaustivo. Dá a sensação que estamos enxugando gelo, ou lutando contra um inimigo difícil demais de ser vencido, pois mesmo que tantas bandeiras sejam levantadas contra o racismo no futebol, ele continua lá, impregnado, refletindo no esporte o mal enraizado em todos os âmbitos da sociedade.
Em 5 de outubro de 1988, durante seu discurso histórico em virtude da promulgação da Constituição Brasileira, o então presidente da Assembleia Nacional Constituinte, Ulysses Guimarães, estabeleceu uma linha que separava aqueles que são defensores da democracia e os traidores da pátria: “Quando, após tantos anos de lutas e sacrifícios, promulgamos o estatuto do homem, da liberdade e da democracia, bradamos por imposição de sua honra: temos ódio à ditadura. Ódio e nojo”.
O que falta para expurgar o racismo do futebol brasileiro é ódio e nojo. A legislação do nosso país é exemplar. Racismo é crime inafiançável e imprescritível. E, apesar de leis tão duras, pessoas racistas continuam proferindo seus pensamentos racistas, cientes de que não serão afastados da sociedade. E se não é caso de prisão, talvez por não configurar crime de racismo, racistas deveriam sofrer graves perdas sociais. Uma demissão após comentário racista durante coletiva de imprensa é até pouco, já que o correto deve ser demitir e indiciar criminalmente.
Dizer que não basta apenas não ser racista, é preciso ser antirracista, diante de tantos episódios de racismo reiteradamente surgindo ainda nos dias de hoje, é pouco. Falta ódio e nojo por parte de todo antirracista. Asco. Que racistas sejam enquadrados e escorraçados. Só assim, aqueles que ainda são racistas, guardarão para si seus comportamentos vis.
Não é possível que o maior clube do Brasil tenha um diretor de categorias de base estrangeiro que, após fala racista, permaneça no clube sustentado por um pedido de desculpas dos mais esfarrapados. Alfredo Almeida disse, durante sua apresentação no cargo, que a “África tem valências físicas como quase nenhuma parte do mundo. Se quisermos ir para a parte mental, temos que ir a outras zonas da Europa, do globo”.
Não dá para abrandar. Foi uma fala racista. E de todos os protestos no meio da imprensa esportiva, a melhor resposta que vi foi do jornalista Paulo César Vasconcelos. “O que acontece é que algumas práticas racistas estão tão sincronizadas nas pessoas, que muitas vezes elas nem percebem o quão racista é a fala, e do quanto isso será percebido pelo povo preto como racismo”, e completou: “O dirigente do Flamengo disse na entrevista, e depois acabou soltando uma nota se explicando, que o corpo preto africano não pensa, é incapaz de pensar. É muito forte, é muito alto, mas, se não houver aquele branco europeu para dizer a ele como se comportar em um jogo de futebol, esse corpo preto não vai saber fazer isso”.
Houve um pedido de desculpas do dirigente flamenguista. Péssimo. Na linha arrogante que não reconhece o erro. Ele não se desculpou por ter errado, disse que foi mal interpretado. “Um trecho específico da minha fala, isolado do contexto geral, acabou gerando interpretações que em nada refletem meu pensamento. Por isso, peço desculpas se a forma como me expressei causou qualquer desconforto.”
Se o Clube de Regatas Flamengo tivesse o mínimo respeito com seu torcedor e com o povo brasileiro, este racista teria sido demitido no mesmo dia. Tenhamos ódio e nojo.
Texto publicado originalmente na edição de 25.07.2025 do jornal A União.