Anderson Pires é formado em Comunicação Social – Jornalismo pela UFPB, publicitário e cozinheiro.
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A democracia do mito
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Foto: Paulo Pinto – Agência Brasil

A democracia é um conceito muito complexo. Começamos pelo o que seria o significado da palavra: poder do povo ou governo do povo. Já temos o primeiro questionamento, de que povo? É uma tradução etimológica, que deixa margem para interpretações sobre quem é o condutor desse regime de governo. O povo não é formado por iguais. Logo, o respeito as diferenças é fundamental para que a tradução do termo, não sirva como justificativa para atrocidades e imposições circunstanciais, com base em maiorias conjunturais.

Na verdade, a democracia não é um conceito pleno. Devemos lembrar, que ela não foi forjada com base na igualdade econômica. A democracia formulada parte do princípio que a desigualdade deve existir e que a apropriação e exploração do homem pelo homem é aceitável e legal.

Destaca-se que a desigualdade não foi demandada pelo povo, mas pela parte privilegiada. Dessa forma, existem diversos “povos”, que derivam para os conceitos de classe e categoria, que foram definidos bem depois da denominada democracia. No meio disso, ainda existe um ente chamado Estado, que foi estabelecido como instrumento para garantir essa ordem desigual em que o tal governo do povo não será exercido por ele em sentido amplo.

Apesar de todas essas distorções, temos que afirmar que o “menos pior” dos modelos de regime que a humanidade implantou foi esse. Seria uma espécie de delimitador de horrores, qualquer comportamento para além disso, quebra esse equilíbrio que a democracia se propõe a manter, mesmo que cheio de desigualdade.

O normal na humanidade deveria ser estar em constante evolução, almejar o aperfeiçoamento desse regime e corrigir as distorções existentes. Contraditoriamente, as reações vem em forma de fascismo, defesa do imperialismo bélico e econômico, propagação de preconceitos, ataques a redução da desigualdade e desumanização. Detalhe, acreditam que a defesa dessas posturas são aceitáveis, na medida em que expressam a vontade do povo (parte dele) e o direito à liberdade de expressão.

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Todo esse blá blá blá foi para chegar nos “especialistas” em democracia que sustentam o bolsonarismo. Nesse universo temos de tudo, de doutores em direito, passando por pastores evangélicos, políticos, populares, empresários do agronegócio e até bilionários. São esses agentes, que interpretam a Constituição Brasileira com base em malabarismos e permissividade, que servem para amparar os absurdos que cometem.

Para esses, o sentido etimológico se deriva para definições próprias, como: o povo de Bolsonaro, o povo de Deus, o povo da Faria Lima, o povo do agronegócio e as mais diversas definições que sejam convenientes para posturas totalitárias. A democracia complexa e fluida como foi forjada, cheia de contradições, é propagada por bolsonaristas com a certeza de que assim como um suflê de chuchu, terá o sabor daquilo que for misturado.

A prisão de Bolsonaro soa para esses como um cerceamento da democracia e do direito de expressão. Facilmente, conseguem formular teses, inclusive jurídicas, sobre absurdos que o STF estaria cometendo. Isso chega a ser engraçado, porque a quebra da permissividade característica do Estado Brasileiro, deixando os jeitinhos jurídicos de lado, a partir da ação de um Ministro do Supremo, leva até opositores de Bolsonaro a afirmarem que existem exageros, mesmo que as decisões sejam previstas em lei.

Nesse balaio de gato que é o Brasil, soa estranho para muitos entender que a democracia obrigatoriamente precisa ser um regime rígido no respeito aos seus códigos éticos. Caso contrário, a pena será a desestruturação de um modelo que serve a desigualdade, mas que mesmo assim, ainda precisa combater o totalitarismo fascista e suas ações com base na moral conservadora.

Os especialistas em democracia bolsonarista carregam ranços milenares, que servem como argumentos para suas defesas do “pode tudo”. Não sou um defensor incondicional do modelo de sociedade que temos, considero os regimes de governos democráticos insuficientes para as respostas e mudanças que a humanidade precisa, mas, como disse antes, é o “menos pior” que se conseguiu alcançar.

Não podemos permitir qualquer tentativa de retorno à caverna, nem tratar como aceitável a banalização do conceito de democracia por parte desses que idolatram Bolsonaro e batem continência para Trump.

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