Terminei de ler, recentemente, o fenomenal Eva – Como o corpo feminino conduziu 200 milhões de anos de evolução humana. O livro, publicado em 2023 pela cientista estadunidense Cat Bohannon, narra a história da evolução das espécies, a humana mais especificamente, a partir da uma perspectiva feminina.
É bem sabido que o corpo masculino é o padrão em estudos científicos e testes de drogas farmacológicas. Até na ciência somos o segundo sexo: somos mais complicadas de estudar, nossos hormônios oscilam ao longo do mês, somos cíclicas, os homens são estáveis, invariáveis, o parâmetro perfeito, a imagem e semelhança de deus. Isso afeta desde a prescrição de medicamentos para dor e antidepressivos à detecção de infartos e diagnósticos de transtorno de ansiedade em mulheres.
E é por isso que o livro de Cat Bohannon se configura tão importante: nele, ficamos sabendo como surgiu o leite materno, de onde veio o útero, por que temos mamilos, para que serve a menopausa e muito mais. Apesar de ser um calhamaço de mais de 600 páginas, Bohannon mantém a prosa com muito bom humor e espiritualidade, soltando algumas tiradas hilárias.
Cada capítulo do livro é dedicado a uma Eva – como Bohannon denomina nossas ancestrais -, e foi impossível não me afeiçoar à primeira delas, Morganucodon (Morgie, para os íntimos), que surgiu 205 milhões atrás. Morgie foi uma simpática roedora e o primeiro ser vivo a fornecer leite materno para alimentar seus filhotes.
Nossas tataravós Evas evoluíram ao longo dos milênios até chegarem ao exemplar Sapiens, nossa configuração atual. Toda essa história é contada com bastante entusiasmo a longo dos capítulos do livro e eu recomendo muitíssimo a leitura, então o que eu queria mesmo destacar aqui são algumas anedotas e curiosidades incríveis com que Bohannon nos presenteia.
A primeira, e eu aqui não estou fazendo uma apologia ao vegetarianismo, mas apenas deixando a ciência falar por si própria, é a importância dos carboidratos para os nossos parentes primatas: alimentar o cérebro foi importante no nosso processo evolutivo, e invenções como dieta cetogênica são modismos recentes. A ausência de carboidratos causa embotamento cerebral e, segundo Bohannon, nós nos tornamos comedores constantes de carne apenas muito tarde em nossa história evolutiva. (Por isso, menos whey e mais macarrão, gente, que só assim se aguça o raciocínio!)
Em segundo lugar, eu gostaria de dizer que Leonardo da Vinci, vejam só, o nosso pai da anatomia, desenhava mulheres com um tubo que ligava o útero aos seios, pois até então se acreditava que o sangue menstrual se transformava em leite materno. Fatos como esse fazem Bohannon afirmar que a ginecologia foi uma das mais importantes invenções humanas. Só ela abriu caminhos para que pudéssemos ter sucesso como espécie (com o apocalipse climático em curso, nem sei se essa afirmação ainda procede, mas, sim, de alguma forma fomos exitosos na nossa passagem pelo planeta), e seu avanço está diretamente ligado à conquista dos direitos das mulheres.
Aliás, a ginecologia nos permitiu nos deparar com uma descoberta mágica, um dos únicos órgãos animais constituído por dois animais distintos: a placenta, que é feita, simultaneamente, pelo tecido do embrião e pelo tecido da mãe.
Bohannon também explica a importância da menopausa através da Hipótese da avó. Eu sequer sabia que somos a única espécie a passar pela menopausa, só descobri algumas semanas atrás, quando a cachorra que vive no meu trabalho, já idosa, entrou no cio e arrumou um parceiro agressivo (até uber pro senhor ciumento tivemos que pagar, com o objetivo de fazer uma vasectomia no coitado, rs). Isso porque mantemos nossa relevância evolutiva mesmo quando não somos mais capazes de gerar herdeiros: a avó, além de ajudar as outras fêmeas no parto e na criação da prole, também é importante para repassar conhecimentos de gerações anteriores.
Esse, aliás, é do dos defeitos dos polvos (que eu descobri lendo outro excelente livro de divulgação científica, A eloquência da sardinha, de Bill François). Embora sejam seres extremamente inteligentes, intuitivos e sagazes, os polvos são incapazes de repassar o conhecimento adquirido, o que faz com que cada geração tenha que aprender tudo novamente. Apenas, e apenas por isso, eles não dominaram o planeta.
Por fim, o que mais me chamou a atenção no livro de Bohannon foi a descrição do fenômeno conhecido como Efeito Bruce: outras espécies mamíferas também sofrem abortos espontâneos. Mas tem mais: esses casos de aborto não são meras reações fisiológicas, mas sim uma resposta ao ambiente social. É quase como se ocorresse algo de voluntário, pois se observou que ratas prenhes abortam se forem expostas a machos desconhecidos. O mesmo foi relatado com outros roedores, cavalos, leões e primatas. Em suma: o nosso direito de escolha persiste, ainda que de forma intuitiva e, mesmo, inconsciente.
Para fechar, deixo vocês com uma faceira tirinha de Bruno Maron:
A gente bem que poderia ter evoluído dos bonobos, nera? ;)