O debate sobre adultização tomou corpo após o vídeo divulgado pelo youtuber Felca. O principal enfoque abordado tem sido a exploração de crianças e adolescentes em conteúdos para a internet de cunho erótico, a chamada erotização. O exemplo mais evidente tem sido o caso do influencer Hytalo Santos, que fatura milhões nas redes sociais.
Dentro dessa discussão, a necessidade da regulação das redes vem à tona, visto que os algoritmos aplicados favorecem a divulgação desses conteúdos e alimentam a pedofilia. A propagação da erotização de crianças e adolescentes gera público e vende, logo, a prática tem como estímulo os ganhos que podem gerar para as big techs, os influenciadores e quem patrocina esse conteúdo.
A mercadoria comercializada são corpos e histórias com pessoas que deveriam estar brincando ou estudando, mas que são usadas como estímulo para um crime hediondo, a pedofilia. Existe uma verdadeira cadeia que sustenta esse segmento de consumo. Acima de qualquer princípio, está a lógica do mercado: se tem quem pague, estabelem preço e atribuem lucro.
Notem que essa rede só existe mediante acordos tácitos, que tratam a desumanização como aceitável. Porque seria impossível a existência da exploração de conteúdos eróticos com crianças e adolescentes, se o estado não permitisse e as empresas não comercializassem, consequentemente, não haveria consumo legalizado e a atividade não seria tão rentável.
A objetificação de crianças e adolescentes não é algo recente. Na história existem exemplos ao longo dos séculos. A exploração sexual ainda é muito presente em lugares de extrema pobreza e existem culturas que praticam abusos a crianças como parte de suas crenças.
A exploração da pobreza está quase sempre presente na adultização e exploração erótica, sejam nos conteúdos exibidos pelas big techs, nos bordeis na Índia ou no Afeganistão, com a prática do bachabaze, em que garotos são estuprados por ricos senhores.
O processo de adultização é mais explícito quando visto como mercadoria, mas o mercado, sempre implacável, enxerga para além do óbvio. Se ganham vendendo corpos jovens, também percebem o potencial de consumo que existe na formação de mercado, com a aceleração de etapas, a partir do processo da educação formal.
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Tenho 52 anos, quando cursei o velho científico, hoje chamado de ensino médio, não se cogitava a preparação para o vestibular antes do terceiro ano. Nos anos anteriores, tínhamos outras prioridades, podíamos brincar, sobrava tempo para prática esportiva, os maiores eventos do ano eram os jogos internos, os jogos estaduais e a feira de ciências. O vestibular tinha sua importância, mas não era imposto um adestramento tão longo como hoje, que começa ainda no ensino fundamental e obriga crianças e adolescentes a definirem rumos para a vida, quando não têm maturidade para evitar riscos básicos, como dar cambalhota na borda de uma piscina.
A chamada adultização não se dá só quando crianças e adolescentes são exploradas com cunho sexual. Esse processo é moldado pela sociedade por outras vertentes. Sem que percebam, o mercado sempre dá um jeito de acelerar processos que sirvam como base para exploração e geração de lucros. No passado combatemos com afinco o trabalho infantil, algo que era amplamente praticado. Foi um avanço estabelecer que, independentemente da situação econômica, lugar de criança é na escola e com direito a brincar: “Criança não trabalha, criança dá trabalho”.
Mas o camaleônico mercado, constrói atalhos que burlam o princípio do respeito e proteção as crianças e adolescentes. Na internet se encontra uma infinidade de crianças trabalhando e sendo exploradas pelos pais e empresas, produzindo conteúdo, como se aquilo fosse parte de um roteiro cotidiano. No caso das escolas, viraram campos de adestramento para o ENEM, com estímulos ao empreendedorismo, exacerbação da meritocracia, com exposição em outdoors com fotos daqueles que melhor se adequam e são aprovados nas primeiras colocações.
Dentro desse roteiro, as escolas escondem o desrespeito a pluralidade, a desvalorização das inteligências, a opressão como forma de conduzir metas escolares, a moral conservadora fortalecida e um adoecimento quase que generalizado de crianças e adolescentes. É mais que adultizar, temos a desumanização triunfando.
Isso só acontece porque a proteção a crianças e adolescentes não é um valor. Temos um Estatuto da Criança e do Adolescente que é evocado sempre no sentido de coibir transgressões legais. Não existe a valorização da experimentação. Não temos uma sociedade que aceite o erro como parte do aprendizado. Fazer besteira é saudável. O sistema educacional que o estado chancela é um mecanismo de legitimação da exploração psicológica, cognitiva e emocional de crianças e adolescentes.
Se a adultização é nociva, deve ser evitada em todas as suas vertentes. O conceito de proteção não pode selecionar qual tipo de violência é aceitável para que crianças e adolescentes sofram. Resguardar as etapas da vida deve ser um princípio humanitário. Viver a infância e adolescência não pode ser um privilégio, mas sim valor universal necessário para se construir uma sociedade melhor.