O título desse artigo parece absurdo, mas quantas vezes escutamos deputados conservadores defenderem a redução da maioridade penal, em decorrência da impunidade e recrutamento do crime organizado de crianças e adolescentes, como forma de escaparem das penas impostas aos adultos? Pois é, essa mesma turma que brada em defesa da pena de morte, que ataca os direitos humanos e dizem que a legislação brasileira favorece os bandidos, resolveu criar seu próprio tribunal e garantir a impunidade com a aprovação de uma Emenda à Constituição.
A PEC da Impunidade é mais um exemplo extremo de demagogia, incoerência e uso das instituições em causa própria. Quase trezentos e cinquenta deputados, dos mais diversos partidos, inclusive do PT, aprovaram em dois turnos na Câmara Federal, uma mudança na Constituição Brasileira, que lhes transforma em super cidadãos com poderes especiais. Em suma, no texto aprovado, deputados, senadores e presidentes de partidos só podem ser processados se seus colegas parlamentares permitirem.
A justificativa é ainda mais absurda, pois, acusam o judiciário de rigor extremo e uso do STF como forma de perseguir parlamentares. Na verdade os nobres deputados são herdeiros da tradição em que parlamentares não respondiam pelos seus crimes. A história do parlamento brasileiro está recheada de casos em que o corporativismo aliado à conivência da Procuradoria Geral da República e o judiciário, deixaram impunes assassinos, traficantes, corruptos, estupradores e outras categorias de criminosos, pelo fato de serem deputados federais ou senadores.
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Quem tiver curiosidade, basta fazer uma breve busca e irá encontrar de assassinato em plenário, feminicídios, roubos ao erário, envolvimento com tráfico, jogo ilegal até estupro entre os exemplos de crimes praticados por parlamentares, que não tiveram o devido julgamento e ficaram impunes. Porém, com a ascensão da extrema-direita e um centrão vitaminado, grupo em que abriga muitos parlamentares com acusações de práticas de crimes, inclusive contra a democracia e o Estado de Direito, a defesa da permissividade passou a ser pauta recorrente.
Como se fossem um grupo de apóstolos iluminados por Deus, toda e qualquer atitude criminosa é distorcida como mero direito de expressão, sendo assim, qualquer ação no intuito de penalizar esses crimes, passa a ser inaceitável. Se for feito um balanço entre os deputados que votaram pela impunidade, teremos um rol extenso de crimes pendentes de processo e julgamento. Na hora que aprovam uma emenda para uso em causa própria, debocham da sociedade e dizem: bandido bom é bandido com mandato, que pode praticar crimes e nunca será processado.
Pois é, voltamos ao título do texto. Se o crime organizado já tem diversos tentáculos na política de forma velada, agora pode transformar isso num instrumento de prática direta. O tráfico já interfere no voto em comunidades em todo Brasil, são muitos os processos eleitorais com denúncias nas eleições em todos os níveis. Diante de um Congresso que aprova uma legislação que blinda deputados e senadores, o mais apropriado é que os chefes do tráfico se elejam e passem a usar diretamente das prerrogativas que o cargo lhe confere.
Parece algo ficcional, mas temos exemplos de bandidos que enveredaram pela política como forma de proteção pessoal e ampliação do poder. O megatraficante Pablo Escobar foi eleito suplente de deputado e chegou a assumir o mandato. Além disso, criou um moimento político, chamado Civismo em Marcha, que patrocinava a eleição dos seus aliados do tráfico.
Num Congresso onde parlamentares têm helicópteros apreendidos com cocaína, acusação de estupro de vulnerável, ligação com milícias, grilagem, corrupção nos mais diversos setores, tráfico de interesses, rachadinhas, favorecimento ilícito, venda de emendas, assassinatos a cônjuges, fraudes eleitorais e ataques diretos à democracia, com atuação em golpes de estado, o PCC terá uma bancada mais que qualificada para defender e comandar o crime sem risco de prisão. Pobre Brasil, de tantas mazelas travestidas de bondade, como diria Chico César.