O tema anistia voltou a ter destaque no Brasil. Em 1979, durante o Governo do General João Figueiredo, foi sancionada a Anistia Ampla, Geral e Irrestrita. Naquele momento, foi a condição possível que permitiria o retorno de muitos militantes de esquerda que estavam no exílio ou presos em decorrência da ditadura. Longe de ser justa, a lei serviu também para livrar assassinos, estupradores, torturadores e golpistas que atuaram sob a conduta dos militares.
A lei da anistia brasileira na verdade perdoou previamente todos os crimes praticados pelos militares. Em contrapartida, os militantes de esquerda que foram enquadrados como criminosos, seriam perdoados dos crimes praticados contra o regime militar. Foi um perdão por combaterem a ditadura, o que para ditadores é crime.
Já os militares que promoveram um golpe de estado, com a deposição de um presidente legítimo, sob a falsa justificativa que estariam contendo uma ditadura comunista, também ganharam o perdão. Foram perdoados pelo ataque à democracia, como também, por todas as atrocidades e crimes hediondos que cometeram.
Notem, quem realmente foi anistiado durante a ditadura foram os militares. A lei da anistia que aprovaram, foi mais um golpe à democracia, na medida em que colocaram no mesmo patamar agredidos e agressores, estuprados e estupradores, torturados e torturadores. Se fossemos sintetizar o texto da lei de forma direta e de fácil compreensão, seria assim: eu lhe perdoo por ter lhe torturado e jamais serei punido por isso.
Qualquer paralelo feito agora com o processo que aconteceu durante a ditadura, jamais poderá partir de uma comparação com a anistia dada aos militantes de esquerda que foram perseguidos. Para esses, o mais apropriado seria tratar como reestabelecimento dos seus direitos, com posterior reparação com indenizações, aposentadorias e restituições. Um ato de justiça.
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Mas sempre teremos os desonestos que tratarão as medidas compensatórias como benesses. Para esses, a tortura, o assassinato, o estupro e o desaparecimento foram corretos e legítimos. Afinal, ser de esquerda ou democrata é um crime inaceitável, para o qual toda violência é justificável.
Pois é, os militares que foram contemplados pela anistia em 1979 deixaram herdeiros. Hoje, formam uma legião de bolsonaristas, que idolatram torturadores e propagam absurdos que ferem a história, a ciência e os direitos humanos. Querem usar de uma nova anistia para saírem impunes do golpismo que sempre defenderam e praticaram.
O Brasil cometeu o erro histórico de aprovar uma anistia que deixava no mesmo patamar quem matou e quem morreu. Permissividade e favorecimento foram as bases da lei da anistia, deixou impune todos os militares e apoiadores da ditadura, que praticaram ou deram sustenção aos crimes contra a humanidade, que já foram amplamente comprovados.
Os vinte um anos de ditadura no Brasil não foram punidos com a seriedade necessária. O perdão dado aos militares, sempre contribuiu para que quem apoiou a ditadura, utilizasse a impunidade como referência no intuito de confundir e negar os crimes praticados. Caso não sejam condenados novamente, poderão seguir com a bravata: se tivemos ditadura no Brasil e tantos crimes foram praticados, por que ninguém foi punido? Plantar a dúvida é sempre uma forma de negação do que deveria ter tido punição exemplar, com milhares de presos e penas duras pela gravidade dos crimes.
Repetir erros não permite que a história avance para um outro destino. Não existe pacificação isentando responsabilidade, isso é casuísmo. A tentativa de golpe, sob o comando de Bolsonaro, com a participação de políticos e oficiais de alta patente, assim como todos que atacaram as instituições, deve ser punida com o rigor máximo possível. Servirá para fazer justiça, mas também para que a história no Brasil possa ser contada sem dubiedades que podem alimentar novos golpes à democracia.