Dra. Desinfluencer. Jornalista e doutora em Informação e Comunicação em Plataformas Digitais pela Universidade do Porto (PT). Autora do livro Flores nos Canteiros (A União, 2018). Interesse em temas sobre feminismo, viagens, comunicação e redes sociais.
Dra. Desinfluencer. Jornalista e doutora em Informação e Comunicação em Plataformas Digitais pela Universidade do Porto (PT). Autora do livro Flores nos Canteiros (A União, 2018). Interesse em temas sobre feminismo, viagens, comunicação e redes sociais.
Um texto de uma mulher “branca” falando sobre racismo 
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(Foto: Reprodução/YouTube)

Eu não me considero branca. E nem parda. Sei que tenho a pele clara e fenótipos miscigenados. Mas sei que usufruo dos privilégios de uma mulher branca em algumas situações. Nunca fui seguida em uma loja, parada por um policial, chamada de macaca em contextos racistas. Isso por si só já é um grande privilégio. Não significa que não tenha sofrido alguns preconceitos xenofóbicos aqui na Europa, mas só quando abro a boca. O que denuncia o meu lugar de fala (literalmente): meu contexto social e minha origem. E é desse meu contexto específico que encorajo a cada um a reconhecer o seu lugar social e o que isso interfere no nosso modo de ver o mundo. Dizer que todos são iguais e que não devemos ver cor é cair na falácia, e no comodismo, do universalismo.

No livro “Lugar de fala”, Djamila Ribeiro critica a noção de universalidade e destaca a multiplicidade e a interseccionalidade dos discursos como formas de quebrar hegemonias e garantir representatividade. 

O conceito de lugar de fala rompe com o pensamento hegemônico ao dar voz a diferentes perspectivas. Reconhecer de onde falamos (o nosso lugar social e os privilégios que o acompanham) é essencial para enxergar as realidades que costumam ser ignoradas.

Eu, como mulher “branca”, entendo que falar sobre o racismo vivido por pessoas pretas pode parecer contraditório. Mas, justamente por reconhecer meus privilégios, no Brasil como branca e, na Europa, como latina, acredito que tenho o dever de estudar, refletir e dialogar sobre essas questões com consciência crítica.

Todo ano circula nas redes sociais um vídeo do Morgan Freeman dizendo que para acabar com o racismo basta parar de falar nele. Mas, acredito que não é bem assim. Engraçado que eu vejo mais pessoas brancas a compartilhar esse vídeo do que pessoas pretas.

Um vídeo de mais de 20 anos atrás e que o próprio Morgan Freeman já deu entrevista dizendo que mudou de ideia e não concorda com sua própria fala. 

O ator, inclusive, aderiu ao movimento Black Lives Matters. 

Mas eu não estou aqui para criticar o Morgan Freeman e suas falas do passado, porque entendo o posicionamento dele: se o mundo fosse perfeito, não existiria discriminação. Esse é o ideal. E ele, sendo uma pessoa preta, deve sentir literalmente na pele os preconceitos. Talvez o modus operandi dele para chegar aonde chegou tenha passado por essa estratégia de fingir que não vê cor, especialmente a sua, e atropelar os preconceitos até alcançar o topo. Talvez, para ele, realmente não exista cor, mas para a hegemonia dominante a cor ainda grita. 

Por isso, essa estratégia não funciona para todo mundo, num cenário em que as maiores vítimas de violência policial ainda são pessoas pretas e que as maiores vítimas de feminicídio são mulheres pretas.

O relatório “Pele Alvo” aponta que 80% das vítimas que sofreram violência policial eram pretas ou pardas e que a violência policial segue concentrada em territórios marcados por desigualdade racial e social.

O Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2025 revela que mulheres negras são 63% das vítimas de feminicídio no Brasil. 

Diante desse cenário não dá para dizer que cor não importa.

E tudo isso acontece enquanto o belo discurso universalista, de que não devemos ver cor, é viralizado nas redes sociais.

Mas, o universalismo e essa teimosia em não ver a realidade são privilégios de poucos.

Sempre tentei explicar às pessoas que a ideia de universalismo é cômoda, e que a luta dos movimentos sociais pelo reconhecimento das diversidades é legítima e necessária.

Pra mim, é um axioma simples: quem não reconhece a diversidade não pode ser universal. Mais universal é quem reconhece e respeita as diferenças.

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Palavras-chave
consciência negra