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Anderson Pires analisa conjuntura política no segundo turno em João Pessoa
Termômetro da Política
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Publicitário Anderson Pires faz análise da conjuntura política no segundo turno das eleições em João Pessoa em entrevista à jornalista Rejane Negreiros
Publicitário Anderson Pires analisa conjuntura política em João Pessoa para o segundo turno das eleições, em entrevista à jornalista Rejane Negreiros (Foto: Reprodução/Instagram)

Do site Política por Elas

Diz o ditado: em terra de cego quem tem olho é rei. Adaptando: entre tantos alienados, a boa informação é antídoto contra a ignorância. Pensando nisso, o Política por Elas não poderia deixar de contribuir com o bom debate neste momento tão decisivo. Afinal, estamos construindo agora o alicerce da cidade que queremos para os próximos anos.  Por isso, o Blog traz agora uma entrevista com a análise do cenário eleitoral na capital paraibana.

O Blog ouviu o publicitário Anderson Pires. Com mais de 20 anos à frente da Signo Inteligência e uma série de campanhas eleitorais no currículo, Pires tem uma visão bem pragmática do processo e a compartilha conosco em uma conversa Rejane Negreiros.

Depois de um primeiro turno com candidaturas pulverizadas, divisão entre partidos e políticos da direita e da esquerda, chegamos a um segundo turno “estranho” segundo ele. Pires avalia que os dois candidatos, Cícero Lucena (PP) e Nilvan Ferreira (MDB), tem perfis programáticos/ideológicos semelhantes, ou seja, ainda não dá pra saber o que os diferente um do outro. Debate pobre e politicamente confuso.

Os dois candidatos buscam apoio entre os derrotados na disputa que possam dar mais sustentação aos seus projetos. Se de um lado encontraram terreno fértil para alianças, de outro, esbarraram em resistência. O cenário não é dos mais fáceis. Mas afinal, o que vai pesar na decisão  do eleitor?

Merece destaque ainda o debate em torno da eleição para as Câmaras Municipais no Estado. A reeleição de figuras que contribuem para o esfacelamento de um debate público rico, diverso e consciente mostra que falta amadurecimento do eleitor e sobram “conivência e concordância” com a corrupção. A derrota de parlamentares que construíram mandato pautado pela agenda da inclusão e do bem-estar social é também mostra disso, e da grande desconexão entre a teoria e a prática da cidadania.

Leia a entrevista completa. Bom apetite!

Rejane Negreiros: Anderson, a busca de apoios neste segundo turno por parte dos candidatos está bem movimentada. Esses apoios são o bastante para definir uma disputa?

Anderson Pires: Apoio, geralmente, é bom. Mas, muitas vezes, a soma pode não ser positiva porque estes apoios podem mostrar contradições maiores do que os eleitores estão dispostos a aceitar. É obvio que se tem uma demonstração de força e de capacidade de aglutinação quando se traz apoios despois um segundo turno de eleição. Se isto é suficiente para ganhar uma eleição? Não! Não é. Se fosse assim, teríamos aqueles partidos que conseguem produzir as maiores coligações e maiores números de apoios, eleitos. Na eleição passada para presidente da República tivemos o exemplo de Geraldo Alckmin que fez uma coligação muito grande, com maior tempo de TV, e teve um resultado insignificante. O presidente que foi eleito saiu praticamente sozinho. Então, a conjuntura e a percepção do público são sempre o que será determinante no resultado eleitoral.

Rejane Negreiros: Candidatos derrotados, a exemplo de Ruy Carneiro (PSDB) que quase foi para o segundo turno e também ficou com 16% dos votos válidos, declararam independência, contrariando, inclusive, o próprio partido. Você acha que essa foi uma postura coerente do Ruy?

Anderson Pires: Do ponto de vista político, o campo programático da qual Ruy pertence não é muito diferente dos outros dois que estão aí colocados, porém, ele fez uma campanha muito crítica e muito em cima de questionamentos éticos e morais em torno desses dois candidatos, e diria até com uma carga um pouco maior em torno do Cícero Lucena.  Aí você tem duas questões. Certamente o partido do qual Ruy faz parte deve ter lhe pressionado para tomar algum tipo de posicionamento, tendo em vista que os projetos futuros podem desencadear alianças entre esses atores que aí estão. Mas, pensando individualmente, quanto projeto de candidatura, Ruy Carneiro talvez  tenha tomado a melhor atitude porque, de alguma maneira, ele vai preservar seu discurso e vai poder, numa próxima eleição, utilizar desse patrimônio político que ele construiu . E vamos ser justos, Ruy Carneiro resolveu peitar esta situação quase sozinho, conseguiu produzir a maior coligação, fez um programa de televisão e uma campanha bonita, bem elaborada, bem feita e profissional. Coisa que os outros não tomaram o mesmo cuidado. Ele teve um resultado muito bom. Então, nessa hora, tem que se ponderar as duas situações: tanto a questão do grupo a que se pertence, quanto as questões particulares do trabalho que ele fez praticamente sem ajuda de ninguém. Você não viu padrinhos no seu guia eleitoral, nenhum tipo de atrelamento a nenhum “figurão” da política como sendo alguém que lhe projetasse.

Rejane Negreiros: Talvez isto tenha feito a diferença. Ruy nessa reta final despontou aí nas pesquisas…

Anderson Pires: Ele calibrou bem o discurso, conseguiu firmar alguns conceitos. Ele tentou se firmar como gestor, como realizador em torno de um trabalho que ele já realizava junto com entidades filantrópicas que, a priori, é um colaborador e não o realizador. Mas ele conseguiu se firmar nisso, conseguiu estabelecer um diferencial em relação à prática política e à ética na política. Foram alguns valores que ele conseguiu construir bem, aliado a um bom trabalho de comunicação que lhe deu um resultado satisfatório.

Rejane Negreiros: Ainda assim, talvez pela pulverização de candidaturas, tivemos 14, algumas com espectros ideológicos muito parecidos, a gente não teve uma campanha polarizada como se esperava por aqui, não é?

Anderson Pires: Não, não teve. Inclusive o que se esperava era um posicionamento político por parte do presidente (Jair Bolsonaro). Por mais que as pessoas gostassem de ter atuado dentro desse legado do bolsonarismo, da extrema direita, eu diria que o presidente não deu cabimento a ninguém. Algumas pessoas dizem que ele foi o grande derrotado e eu disse que ele não estava muito preocupado com isso. Porque tem gente que faz política para si mesmo, não faz política para ninguém, não está preocupado em constituição de grupo, com eleição de prefeitos, governadores  e que tenham essa noção de constituição de grupo ideológico. Quem tentou até isso no começo deu uma recuada. Você viu que no final da campanha não tinha ninguém fazendo nenhum grande arroubo bolsonarista. Quem apostou um pouquinho na reta final em um discurso conservador em alguns aspectos, trazendo o apoio de Damares, ou coisa do tipo, foi Raoni Mendes (DEM), mas que não teve efeito prático. Talvez numa última tentativa de angariar alguns votos.

Rejane Negreiros: Talvez até tenha tido um efeito reverso?

Anderson Pires: Pode ter sido. Eu conheço gente que estava apoiando Raoni e que tem um pensamento mais progressista do que aqueles que a Damares representa. Pode ter havido um conflito e até ter atrapalhado mais do que somado.

Rejane Negreiros: Na sua opinião, o que nos trouxe a esse cenário para o segundo turno em João Pessoa?

Anderson Pires: Primeiro você não tinha nenhuma figura que nesse momento pudesse dizer ‘essa é a figura que eu acredito e em torno daquilo que ela pensa eu tenho mais ou menos o modelo de gestor que eu gostaria’. Isso não existiu. Você não teve ninguém que despontasse como se teve em situações passadas, um Ricardo Coutinho ou até um Cassio Cunha Lima, em Campina Grande. Essa história do ícone não estava claro. Além disso, teve outro componente que foi o pragmatismo dos partidos com relação ao novo formato de eleição que nós tivemos porque você não tem mais a possibilidade das coligações proporcionais, e muitos partidos vivem em torno da eleição de bancadas proporcionais. Ainda teve uma coisa que nunca se teve antes: mesmo que não sendo os mesmos recursos do passado, você tinha a garantia de um recurso mínimo para fazer campanha. Se eu tenho este recurso, se eu tenho um partido estruturado, se eu posso com isso começar a fazer a campanha 2020, por que não fazer, já que não existe nenhum projeto tão claramente demarcado na cidade que me iniba a arriscar? Todos estes fatores contribuíram para este número grande de candidaturas e também para a questão de não ter ninguém destacadamente identificado como sendo a bola da vez em João Pessoa.

Rejane Negreiros: Pegando o gancho do que você acabou de falar, o que vai pesar agora na decisão eleitor?

Anderson Pires: Eu esperava que a gente fosse ter uma diferenciação mais clara de projetos políticos e de postura na política. Está muito esquisito! Ontem teve um debate e me pareceu que não queriam nem debater. Foi algo estranho porque nós tivemos duas impressões:de profundo despreparo dos dois postulantes porque temas básicos e temas elementares dentro da gestão pública não conseguiram ser tratados com a profundidade, e da falta da apresentação de propostas que fossem significativas.

Rejane Negreiros: Ou seja, não tem sido um debate propositivo?

Anderson Pires: Nem propositivo, nem politicamente diferenciado porque as perguntas eram geralmente evasivas, de maneira genérica, muitas vezes utilizando chavões que o público já está cansado. Eu saí decepcionado do debate que eu assisti ontem, porque eu esperava que agora, só tendo duas candidaturas, não tivesse mais a dificuldade que se teve no primeiro turno, quando se tinha um número muito grande de candidatos participando, e fica difícil um debate mais aprofundado. Eu espero que tenha sido só esse primeiro momento, tendo em vista também a urgência, a eleição tinha acabado no domingo e tem muita gente que nem dormiu direito ainda,  e que a gente possa diferenciar um candidato do outro. Isso não possível ainda.

Rejane Negreiros: A gente tem uma Câmara eleita em João Pessoa. Boa parte dos partidos ali, em caso de uma eleição do Cícero, faz a base aliada dele. De uma forma geral é uma Câmara bem conservadora. Qual vai ser o papel dessa Câmara a partir de 2021?

Anderson Pires: Estamos vindo de legislatura bastante complicada do ponto de vista de não ter produzido nenhum grande debate, nem uma grande discussão. Nós ficamos sempre em torno das mesmices e acomodações, muitas vezes de interesses dos parlamentares. Para a próxima legislatura, o desenho que se tem é ainda pior porque se vê que é uma Câmara muito mais conservadora, com a participação feminina ainda mais reduzida, com muito menos pluralidade. Quando se tem um perfil desse, não tem um ambiente que esteja muito apropriado para grandes discussões e grandes debates. Confesso que tenho receio que tenhamos uma Câmara 100% governista, seja quem for o candidato eleito, porque não tem uma grande diferenciação ideológica entre aqueles que estão aí colocados. Aí você pode dizer: ‘não, mas teve um vereador do PT’…  Teve, mas Marcos Henriques nunca foi uma oposição tão radical dentro da Câmara de vereadores.

Rejane Negreiros: É da área PT “nutella”?

Anderson Pires: Eu não diria. Se tem pessoas mais radicais, outras mais moderadas. Agora acho que alguns debates e alguns posicionamentos faltaram nessa legislatura. Imagino que na próxima legislatura tenha um grau de conformidade ainda maior. Teve uma eleição interessante que foi a do Junior Leandro. Ele é da base do pessoal dos agentes de saúde, sempre teve um trabalho sindicalista muito forte, de movimento estudantil e é um nome de origem popular lá de Mangabeira e que nunca teve atrelamento a nenhum cacique político. É obvio que a base dos agentes de saúde tem uma relação muito boa com Cícero Lucena e em algum momento isto pode gerar algum dilema de posicionamento naquilo que diz respeito à categoria, mas enquanto posicionamento, é uma cara que se posiciona ideologicamente de esquerda, do PDT, já foi do PT, da Unidade Popular. Pode ser que seja desses novos que entraram, algum que se possa dizer que está mais à esquerda do que os demais. Tudo aquilo que se teve de novidade na Câmara dos novos eleitos sempre foi no sentido mais conservador e mais à direita. Então, devemos ter uma Câmara que não produza muitos debates, além daqueles nós já vimos na última legislatura.

Rejane Negreiros: A gente vive um movimento chamado Primavera Feminina, uma alusão à Primavera Árabe, mas a gente ainda tem muita dificuldade de ter mulheres em espaços de poder. João Pessoa tem quase 52% do seu eleitorado feminino, ainda assim, só conseguiu dar voz a uma vereadora. Há um aspecto cultural aí que passa pela educação, mas dispositivos legais mais fortes, inclusive que atuem de forma muito mais ampla sobre os partidos, poderiam calibrar melhor essa diferença porque boa parte disso é culpa dos partidos que não investem em candidaturas femininas. Concorda?

Anderson: Sem dúvida! Com relação a legislação, ela tem que existir porque precisa ter algum processo de aceleração da participação feminina, do mesmo jeito que se tem regime de cotas em outras políticas no Brasil para tentar diminuir essa desigualdade, uma coisa que precisa ser feita urgentemente no Brasil. A gente fala muito de reforma política, de reforma das regras eleitorais, mas precisa se ter uma reforma partidária no Brasil que acabe com essa estrutura que só faz reproduzir tudo isso que a gente quer mudar. Os partidos têm uma estrutura autoritária, muitas vezes são praticamente propriedades familiares, com status arcaicos. Vamos citar aqui um exemplo conhecido no Brasil todo: como até hoje um Roberto Jefferson (PTB) é presidente de um partido depois de tudo que passou? Ele só é presidente de um partido porque a lei partidária brasileira permite estatutos draconianos onde se consegue ter controle absoluto. Muitas vezes se reproduz isso para o processo eleitoral e, consequentemente, para a sociedade que também ainda é conservadora e majoritariamente machista e exclui a participação. O que é pra nós eleger uma representante das mulheres que não entenda a necessidade dessa participação e o rompimento com essas práticas conservadoras? Foi isso que foi feito em João Pessoa.

Rejane Negreiros: Ou seja, existe uma desconexão muito grande com a realidade e com as necessidades reais. Apesar de a população  dizer que quer mudança, na prática, essa mesma população acaba fortalecendo o status quo

Anderson: Total. É muito distante do discurso que é sempre muito na lógica daquilo que é conveniente se falar naquele momento. Na oportunidade que se tem de votar e realmente exercitar esta prática, não se concretiza.

Rejane Negreiros: E aí eu não tenho como não citar aqui como exemplo o Legislativo eleito ou reeleito de Santa Rita, na grande João pessoa. A gente teve um escândalo, a farra das diárias, e aqueles envolvidos que chegaram a ser detidos foram reeleitos. Então, tem um discurso anticorrupção que não se sustenta….

Anderson Pires: É tragicômico. É uma coisa que a gente precisa enfrentar. A cara do legislativo brasileiro não é diferente da cara do brasileiro. Não podemos achar que não existe uma necessidade de se discutir a moral que é utilizada na hora se fazer essas escolhas. Como é que você explica uma situação como esta?  Esses caras foram presos, houve uma operação em torno de uma verdadeira farra com o dinheiro público para se passar em Gramado e utilizar diárias, e na próxima eleição eles são reeleitos. Curiosamente os que não participaram da farra foram os que perderam. Como é que você explica uma situação dessa se não houver conivência e concordância da sociedade?

Rejane Negreiros: Isso não pode ser desconsiderado neste segundo turno em João Pessoa. O eleitor tem um grande desafio pela frente e os candidatos precisam dizer a que vieram…

Anderson: Eu acho que vai ser uma decisão difícil, até por conta da proximidade ideológica que as candidaturas têm, mas a gente espera que algum diferencial apareça. Será pouco tempo, são só duas semanas de campanha, mas precisamos de um debate mais aprofundado, precisamos saber o porquê de votar em um e no outro não.

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