Graduado em Letras e Direito e mestre em Organizações Aprendentes pela UFPB
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À falta de carne, um bolo de farofa de mão
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(Foto: Emanuele Longo/Flickr)

Apenas para efeitos de argumentação, podemos dizer, superficialmente, que a política é uma possibilidade de evitar guerras. Foi assim que Mário Soares, depois de perder várias eleições em Portugal, dizia enfaticamente: “prefiro sempre a política à guerra, porque na política se morre muitas vezes e na guerra somente se morre uma vez”.

Simplesmente, porque o ambiente da política é a democracia, fora dela, a política vira um monólogo centrado no ditado popular: eu quero, mando e posso. Por isso a importância da defesa dos regramentos democráticos de forma permanente, pois ela é uma cláusula de um contrato social em estágio de perene imperfeição. Nunca é demasiado estarmos atentos para os valores que encouraçam o autoritarismo em suas mais diversas formas e daqueles que somente imaginam o exercício do mando de maneira absoluta.

No espaço de convivência democrática, a política se reveste como essência para germinar os seus operadores: os líderes, somente os líderes operam a política leve e galantemente.

E aqueles, quase políticos, que negam a política ou deixam de fazê-la, se perdem no meio do caminho, não se transformam em líderes e buscam alternativas autoritárias centradas em uma única e exclusiva visão de mundo. A negação da política ou a incapacidade de fazê-la para além de seu campo de visão se mostra claramente em gestos, ações e discursos que evidenciam uma linguagem incompatível com práticas civilizatórias, decodificando ruídos, assobios, grunhidos, como se animal fosse, porque, como sabemos, os bichos não falam. E os humanos somente aceitam ser liderados por humanos, a não que esse tipo de líder queira substituir os liderados, exterminando-os porque, como diferentes, são o problema.

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Para ser líder, pressupõe-se que o mesmo entenda que o ser humano, como diz Mia Couto, habita na oralidade, gerando toda a sua dimensão humana e a clarividência de sua própria existência. Assim, no Brasil, confundir farofa com sujeira é desconhecer a nossa realidade sociocultural. É não saber liderar por desconhecimento de como vivem os seus liderados.

Em verdade, comer com as mãos está muito longe de ser um ato de imundície, muito mais longe ainda de ser uma etiqueta. E talvez não seja um ato de simplicidade.

Comer com as mãos um prato de farofa revela a linguagem que expressa com nitidez uma parte do povo brasileiro.

Esse comer mergulha nas profundezas dos corpos e das almas de nossa gente; que ao fazer um bolo de farofa com uma mão, fecha a outra em punho pela ausência da mistura: a falta de carne!

Assim, a política exige de seus praticantes o autoconhecimento, o conhecimento do outro e o conhecimento do ambiente onde estão metidos, sabendo identificar os meandros do acordo, os interesses dos envolvidos, seus conflitos, suas histórias, seus beneficiários e o comprometimento ético de acordar sem abrir mão da busca para atingir a equidade entre as partes, no sentido de fazer valer compensações para quem mais precise, buscando a justeza entre os diferentes, virando líder.

Esses atributos se evidenciam em falas públicas, em gestos corporais, em contatos mais íntimos e nas conversas com pessoas, grupos, segmentos, em territórios internos e externos.

O exercício da política significa a prática de forma contínua de inspiração e expiração em movimentos feito ondas que levem as partes que espelham interesses conflitantes a um equilíbrio que passe pela noção da equidade; que saiba reconhecer nas diferenças a oportunidade de descobrimento da relevância da convivência.

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