Anderson Pires é formado em Comunicação Social – Jornalismo pela UFPB, publicitário e cozinheiro.
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A Rita falou, por que não escutar?
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Foto: reprodução Facebook

A Rita Von Hunty, a drag queen interpretada por Guilherme Terreri, fez críticas ao discurso do Lula no lançamento da sua pré-candidatura e defendeu no primeiro turno um voto crítico as concessões aos golpistas e neoliberais que sua campanha tem feito.

Rita prega um voto à esquerda. Seria como se diferenciar do bolo que votará em Lula. Afinal, assim como ela, existem muitas pessoas que questionam o viés permissivo da candidatura, que faz vista grossa para aqueles que votaram pelo impeachment de Dilma e nas reformas contrárias aos trabalhadores.

Confesso que concordo com as críticas que a Rita fez. Existe um abismo que foi cavado nesses últimos seis anos, que está sendo aterrado as custas de milhões de desempregados e pessoas passando fome. 

Vamos tentar explicar. Quando romperam com a democracia com o golpe a Dilma, fizeram opção por ampliar a desigualdade, aumentar a pobreza e tirar até a última gota de sangue do trabalhador. Essa política gerou um fosso gigantesco entre golpistas e progressistas. Com o passar dos anos, milhões de pessoas voltaram para miséria e o desemprego. Agora, elas são utilizadas como justificativa para a ponte entre esses extremos. Qual seria o fator de unidade justificável? Mesmo aqueles que trabalharam para essa política, mas que afirmem serem defensores da democracia estão aptos a formar as fileiras contrárias ao bolsonarismo.

Essa condição simplifica o debate. Não existe nada mais urgente que salvar vidas da fome. Ainda mais, se, para tanto, o propósito é vencer nas urnas uma disputa com um presidente fascista. Qualquer questionamento sobre a inexistência de um programa que garanta mudanças significativas na condução do Estado Brasileiro, principalmente, no que diz respeito à política econômica e resgate de direitos aos trabalhadores é tratado como divisionismo. 

É obvio que sem tirar Bolsonaro do poder nada disso será possível. Porém, suprimir qualquer crítica de quem cobra compromissos mais claros do Lula em relação a essas questões é reduzir a disputa política a mero messianismo. Como cético, não torço o nariz para quem questiona mitos e deuses, como fez a Rita em relação ao Lula. 

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Assim como vimos na França, em que Jean-Luc Mélenchon do partido de esquerda radical, A França Insubmissa, mais socialistas e verdes tiveram quase 30% dos votos, seria importante que no Brasil uma parcela significativa deixasse claro que precisamos barrar a expansão neoliberal, defender o trabalhador, freiar a especulação e o moralismo cristão, que amplia preconceitos e violências. Isso obrigaria em um segundo turno que esses temas fossem tratados com mais transparência. Da forma que está, abre espaço até pra que tudo continue do mesmo jeito.

Nesse episódio, me assusta a forma agressiva como muitos que defendem a candidatura Lula desqualificaram a posição de uma ativista, que sempre deixou claro seu pensamento marxista. Onde estaria o erro ou incoerência em dizer que não votará no Lula no primeiro turno? A agenda da candidatura do PT aborda a possiblidade de algum movimento em direção ao socialismo ou radicais transformações ideológicas? Não. 

Pior é verificar como a democracia que serve como justificativa para a união com golpistas e ex-bolsonaristas, é desconsiderada quando uma opinião à esquerda foi exposta. Mais ainda, quando vi depoimentos que tentam desqualificar o fato da Rita Von Hunty produzir conteúdo em canais de streaming e mídias digitais. Para esses, quem atua na internet não são lideranças sociais ou políticas e dar ouvidos é sinônimo de falta de formação política. Esse é o discurso mais ultrapassado que podemos escutar, feito por aqueles que acreditam que agente político só existe na institucionalidade. Mostra que não entenderam sequer as transformações sociais e tecnológicas que o mundo passou. São apenas reacionários conservadores, que pensam que só votar no Lula lhes transformam em progressistas. Lamentável!

A Rita conta com minha solidariedade. Entendo e concordo com suas críticas. O ponto divergente é que, se não existe uma terceira via que atenda aos anseios da direita, também inexiste uma opção à esquerda com um discurso que trate os temas que questiona com a responsabilidade de quem pode ser eleito. 

Sendo assim, posso dizer: Rita, estamos juntos, mas ainda precisamos caminhar muito para termos uma opção melhor que o Lula e uma candidatura realmente de esquerda.

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