Aquela tinha sido uma semana de decepções para mim. Meu trabalho como jornalista não ia bem. Meu livro foi um fracasso de vendas e eu saí de casa depois de brigar com a minha mulher. Agora estou aqui no consultório do Dr. Karl. O meu psiquiatra é o melhor da cidade, ele é mesmo excelente, mas já tentou se matar três vezes… O que não diminui a sua qualidade como terapeuta. Na realidade me sinto como em um confessionário, diante de um padre, onde jogo para fora meus pensamentos conflituosos, minhas inseguranças e desilusões. Dr. Karl é filho de alemães, nascido em Blumenau e vindo para estas terras da Parahyba do Norte. O consultório do Dr. Karl me lembra a sala da casa do meu avô. Não poderia deixar de registrar isso. Sinto-me como em um museu aqui. O tempo não passa… Que droga! Lembro agora da minha mulher… Ainda a amo, aliás a amo muito. Seus olhos lindos que contêm aquela expressão de profundidade como o azul do mar. Um olhar que ao me fitar me derrete inteiro… Aqueles cabelos loiros… meu Deus!!! Quando penso nela, não me imagino vivendo sem aquela voz doce… Tenho que parar de pensar nela… Dessa vez é sério… Vou embora!!! Enfim… é a minha vez…
Chego diante do Dr. Karl… Depois dos cumprimentos, começo a falar:
– Eu sonhei com minha ex-mulher… Ela estava nua… Rebolando e girando uma calcinha preta no dedo indicador… E me olhava bem nos olhos e me dizia: “Você ainda não escapou de mim não, viu?!” Poxa… Achava que já tinha resolvido essa história com a porra da Flávia!!! Ainda hoje sonho com essa mulher… A safada me traiu e tinha mais as fotos do ex dela no quarto do filho que ela teve antes de casarmos… Que droga!!!
-O senhor tem esse sonho com frequência?!
-Não! Aliás, nem lembro dela… Ela surge assim só quando minha vida fica meio confusa.
-Hummmm! Compreendo… Adiante.
– Bem… Mas Flávia é coisa do passado… Não tem mais nenhum significado, aliás, nem sei como suportei aquela mulher por tanto tempo. Ela não me acrescentou nada… Fora as orgias sexuais, ela era uma nulidade em pessoa. Aliás, eu não a amava. Éramos dois seres que conviviam em um eterno conflito… Sem amor, sem qualquer afinidade… Só aquelas agressões verbais mútuas, seguidas por uma violenta explosão de instinto sexual…
– Hummmm… Compreendo, adiante.
– Bem… Mas o que vem tirando meu sono mesmo é o fracasso do meu livro… Passei cinco anos pesquisando e escrevendo essa merda! Ninguém leu essa porra!!! Me sinto um escritor fracassado… O Sr. acha que escrevo mal?! Sou jornalista, escrevo para um grande jornal, meus artigos são elogiados e eu já fui premiado várias vezes, mas minha carreira como ficcionista não deslancha… Sem falar que minha mulher, a Marina, é linda… Mas na mesma proporção que eu a acho linda e a amo muito, eu tenho um incrível ciúme dela… Eu acho que ela sempre tem um amante… E quando vou ver… Passo vergonha… Ela me ama mesmo… Ela suporta minhas manias, meu mau humor… E esse vício que eu tenho de falar palavrão… Caralho!!! Isso é muito feio… ela me diz. Marina é personal trainer… Minha mulher é uma gata, uma deusa… Tem um corpo escultural, um rosto lindo… E tem a incrível virtude de falar a verdade e o que pensa… Mas eu, apesar de amá-la… Me sinto inseguro… Aqueles alunos todos… Todos os dias… Que droga!!! Já estou pensando besteira. Me desculpe.
– Hummmmm, compreendo… Adiante.
-Bem… Espera… Ahhh… Marina… Eu saí de casa depois de uma discussão boba… Mais uma vez por ciúme… Ela me chamou de bobo e disse que sou imaturo… Porra, eu sou mais velho que ela uns quinze anos… Mas ela tem o poder de me derreter com aquele olhar encantador, um azul translúcido como as águas do Caribe, um convite ao mergulho no paraíso… Não consigo resistir… o Sr. me entende?!
– Hummmmmmm, compreendo… Adiante.
– Bem… O que posso fazer?! Não quero perdê-la… Não saberia viver sem ela… Mas não consigo controlar o meu ciúme… E isso está me enlouquecendo… Não trabalho direito, não durmo direito… Não vivo direito. Essa mulher é minha vida e eu vivo entre o céu e o inferno… Uma palavra dúbia, uma olhada para o lado e pronto… Minha mente criativa já bola um roteiro onde Marina acaba nos braços de outro… Normalmente um garotão mais jovem e malhado do que eu… Isso me deixa destruído…
– Hummmmmmmm, compreendo… Adiante.
– Ontem mesmo… Ela não ligou, como normalmente faz… Ela está de férias de um curso de especialização que faz… Normalmente ela me liga, diz onde está, o que vai fazer… Mas nas sextas ela demora a ligar… E, às vezes, nem liga… Disse que estava na casa de uma amiga… Eu já fiquei desconfiado… Que porra de amiga nada!!! Eu pensei… Aí tem! Eu fiquei de tocaia, em uma rua deserta… Próximo a casa dessa amiga… Fiquei no frio… Quase fui assaltado… A violência nessa cidade está um terror… Mas eu enfrentei tudo: o frio, a escuridão, a solidão e o medo da violência… Tudo por Marina! Eu quero saber se ela me ama mesmo, porra!!! Não é com ela, sou eu, porra!!! Eu quero o amor dela, incondicional e sem limites… Mas que merda de sumiços são esses?! Eu só vi mulheres naquela casa… Mas não me dei por satisfeito… Pensei… Os malandros podem está aí…
Ou o malandro… Acobertado pelas amigas dela. Mulher é foda! Acoberta a safadeza que a amiga faz e ainda incentiva. Bem… Pulei o muro… O muro era alto… Achei estranho pois não tinha cerca elétrica… Nem aqueles ferrinhos pontiagudos… Enfim… Pulei… Vasculhei tudo… Tudo na mais sepulcral solidão… E enfim, pra minha surpresa, eu encontrei… Um pastor alemão que me atacou na perna… Filho da mãe, me mordeu com força!!! E eu fiquei bolando no chão com aquele puto!!! Até pegar um porrete e tacar nas fuças dele… Foi quando pulei o muro de volta, mancando de uma perna… Com a calça rasgada… Fui em um posto de saúde e fiz um curativo… Que merda! Marina já estava em casa quando cheguei… Ela olhou pra mim… De um jeito frio e disse: “Você estava onde?! E essa calça rasgada?! Mancando?!” Eu disse que tinha caído… Pisado em falso… Mas ela só disse: “Sei…” Virou o rosto e foi deitar sem dizer mais nada. Eu fiquei em pé com cara de babaca, com os braços abertos, parecendo o Cristo Redentor, esperando um abraço… Achando que ela iria se comover com meu estado, me chamar de meu amor… Aliás… Marina nunca disse de verdade que me ama… Isso pra mim é grave, o Sr. me entende?!
– Hummmmmmm, compreendo… Adiante.
– Pois bem… Isso me deixa inseguro… Uma mulher que dorme com o cara, faz amor de uma forma maravilhosa… Tem dois filhos com ele… Eu, no caso. Mas nunca diz… Eu te amo! Eu só queria ouvir eu te amo, caralho!!! É pedir demais?! Mas ela me diz: “Não digo nada… Não gosto de dizer… Dá azar…” Vai te danar, rapaz!!! Eu quero é ouvir ela dizendo que me ama!!!
– Hummmmmmm, compreendo… Adiante.
– Cara… eu já venho há meses aqui… Já te contei minha vida inteira… Até os detalhes mais íntimos… E a única coisa que tu sabe falar é isso?! “Hummmmmm, compreendo… Adiante?!”
– (…) Tu quer que eu diga o quê?! Tu vive inseguro com teu emprego, projetos, com tua mulher e ex… Eu só posso dizer: adiante com suas loucuras… Porque assim você vai destruir seu casamento de vez e nunca vai vender nenhum desses livros que você escreve… Adiante com suas fantasias e delírios autodestruidores… É isso o que quero te dizer por todos esses meses a cada vez que você entra por aquela porta com seus delírios de corno…
– Hummmmmm… agora eu compreendo… adiante…