Jornalista, fotógrafo e consultor. Mestre em Computação, Comunicação e Artes pela UFPB. Escreve desde poemas a ensaios sobre política. É editor no Termômetro da Política e autor do livro infantil "O burrinho e a troca dos brinquedos". Twitter: @gesteira.
Jornalista, fotógrafo e consultor. Mestre em Computação, Comunicação e Artes pela UFPB. Escreve desde poemas a ensaios sobre política. É editor no Termômetro da Política e autor do livro infantil "O burrinho e a troca dos brinquedos". Twitter: @gesteira.
As lições de Walter Galvão
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Eu, Alexandre Macedo e Walter Galvão

Meu último momento sentado à mesa com Walter Galvão foi no São João de 2018. Dói a saudade da festa que nos foi roubada neste ano. Dói muito mais a saudade do amigo que não estará no São João do ano que vem.

Nosso último São João foi justamente no jornal A União, lugar onde fui feliz em tê-lo como colega de trabalho, professor e, em seguida, amigo.

A mesa é emblemática porque era justamente assim, numa mesa, que se davam muitas das aulas. Galvão era professor em tempo integral. Se não estivesse ensinando sobre jornalismo, nos presenteava com ensinamentos sobre os mais diversos temas, desde a política até o trato social.

Alexandre Macedo, no centro da foto, era nosso líder na condução para o almoço. A conversa se limitava ao trio apenas nos cerca de dez metros que separam a redação e o refeitório. Chegando lá, nos ajuntávamos aos outros colegas e a prosa crescia.

Galvão só não gostava de falar de trabalho na hora do almoço. E se alguém viesse tirar com ele dúvidas a respeito de produção e pauta, ele atendia com a delicadeza que sempre lhe fora peculiar, mas fazia questão de não deixar a conversa se aprofundar no jornalismo. Almoçar com Walter Galvão era um momento de extrema leveza.

Nos primeiros dias almoçando com ele, fui aquele que o importunou. Era por imaturidade, ou por avidez em aproveitar cada segundo ao lado de quem tinha tanto a me ensinar. Ele já havia me dito que não gostava de trabalhar no almoço. Na segunda vez, respondeu de forma gentil e, quando viu que o assunto iria se prolongar, percebi em seu rosto uma expressão de profundo descontentamento.

— Tou falando muito de trabalho, né, Galvão?

— Não é isso.

— E o que é então?

— É que não gosto de comer o bicho e a comida do bicho juntos no mesmo prato. Me dá angústia, fico mal.

— Como é a conversa, homem?

— Num tá vendo aqui, Gesteira? Estamos comendo galinha e milho. É a galinha e o que a galinha come. Isso me incomoda. — Arrematou, quase em tom de piada, porém mantendo um resto de seriedade para que a piada fosse potencializada.

Além de gestor público, jornalista, comunicador, escritor, poeta, músico… Galvão também era mestre nas aleatoriedades. Antenado no mundo, entendia de tudo com surpreendente profundidade. De bitcoin a música clássica, com ele o papo sempre rendia. Tinha uma habilidade incomum em mudar de assunto e manter a conversa interessante. Ter a presença de Galvão era garantia de papo agradável.

Apesar de só aparecerem três nesta foto daquela mesa do São João, éramos muitos. Confraternizávamos com simplicidade e alegria. Albiege era nossa anfitriã, que também fez as vezes de fotógrafa e nos agraciou com estes registros. Quem estava conosco à mesa e não aparece apenas nesta foto era Gilson Renato. Diante de tantas homenagens a Galvão desde a sua partida, na madrugada de quarta-feira (7), Gilson resumiu, em comentário na nossa foto feita por Albiege e publicada no perfil de Alexandre no Facebook, a essência do nosso mestre e amigo em poucas linhas: “Ficaram os ensinamentos e a vontade de viver com alegria e sempre em busca da beleza. O velho Galvão nunca perdia uma chance de exercitar a meninice.”

Conviver com Galvão era pegar carona diária para o universo de um ‘homem-menino’ que incessantemente observava a beleza que há em todas as coisas. Ele saía do refeitório para tomar picolé e, achando pouco, comprava créditos de picolés para consumo posterior. Dizia que assim tanto conseguia fazer relacionamento, como garantia as sobremesas. Era o chefe que nos chamava para tomar picolé de leite condensado e esticar a conversa depois do almoço, ou que fazia uma pausa no fim da tarde e nos convidava para contemplar o pôr do sol.

O “mestre Galva” era extremamente elegante no trato com as pessoas. Um exímio prestador de atenção, dava o mesmo cabimento às conversas e assuntos de qualquer um que fosse. Não depreciava o trabalho dos colegas, tampouco vivia de exaltar o próprio. Deixou um legado enorme de textos publicados. Textos brilhantes. E longe da doença do ego, fazia questão de exaltar os textos dos outros. Os outros, se achassem por bem, que exaltassem os seus.

Galvão amava flores. Amava seus gatos indistintamente. Queria falar sobre todos e desconversava quando e eu pedia mais notícias de Rayovac, o gato elétrico.

Mas Galvão amava mesmo era Jória e Clarice.

Sempre que mencionava Jória, sua esposa, brilhavam os olhos de um homem apaixonado. “Minha namorada”, dizia. E brilho nos olhos de quem ama diariamente é coisa que não se fabrica, nem se esconde. Dava gosto de ver. Era mais uma das muitas lições que Galvão nos dava diariamente, a de cultivar nossos amores.

Galvão vibrava com as conquistas de quem ele queria bem. Pulou feito menino quando contei pra ele que me tornaria pai de Jorge, meu primeiro filho. A dimensão da transformação de um homem em pai eu comecei a ter nesse dia, quando lhe dei a notícia. Ele era só sorrisos, e naquele momento não falava dele, apenas vibrava, sorria largamente e me abraçava. Depois começou a falar de como ser pai é incrível. A exultação de Galvão com a minha paternidade expurgou quaisquer medos que eu ainda guardasse. Ele gostava de acompanhar as novidades, desde o nascimento de Jorge às pequenas descobertas. Vibrava, sorria, e lembrava de quando passara por tudo isso com sua filha.

Galvão amava Clarice.

Dizer apenas que amava é resumir, e para quem conviveu com Galvão e compreende o amor de um pai por sua filha, dizer que amava, basta.

Galvão era fã de Clarice. Falava na filha como quem fala na coisa mais sensacional que existe no mundo, mesmo sem ser coisa. E para ele a filha era sim, sensacional, em tudo. Falava em Clarice todos os dias, fazia questão de se inserir no mundo dela. Ali brilhavam os olhos de quem fala no que de mais incrível possa existir. Nesta última lição, Galvão ensinava a importância de dar valor ao tempo que passamos com nossos filhos.

Vá em paz, meu professor e amigo. Tua memória, tuas lições, não morrerão jamais. Falar de você é pura saudade.

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