Graduado em Letras e Direito e mestre em Organizações Aprendentes pela UFPB
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As respostas para a saída da crise estão no estuário da democracia
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Foto: Reprodução O Liberal – Fotos Públicas

Ao entorno das mesas de bares, nos corredores de casas parlamentares, nos espaços de práticas religiosas, nos ambientes empresariais, nos campos do agronegócio, nas telas de operações financeiras, na multiplicidade das redes sociais, nos intervalos das escolas e pelo mundo a fora, se fala muito mal da política, mas todos buscam sua representação nos poderes devidamente constituídos. Todavia quase todos continuam falando mal dos políticos e dos partidos políticos.

Essas ladainhas sobre a má política e a má conduta moral dos partidos políticos geraram no senso comum da sociedade uma convicção sobre o exercício da política como sendo relacionada ao crime. A prática política foi criminalizada de tal maneira que afasta segmentos importantes da vida social do fazer política, como a juventude, por exemplo; e mais ainda, derrama uma desesperança pluralizada, imobilizando parte significativa da comunidade, tornando-a inerte, como se tivesse sentado num banco de praça em um diálogo sem fim, à espera de uma solução ou de um sujeito que não chega nunca, como se fosse esperando Godot.

A saudosa professora Elisa Mineiros da UFPB afirmava que toda e qualquer reunião deveria se iniciar com uma leitura da realidade na qual estávamos metido. E estamos metidos numa realidade de crise sanitária, econômica e beirando a uma crise institucional, tudo isso engolfado por esse sentimento de desesperança e pela criminalização da política. Mas, intrigantemente, esse ambiente também é um estuário onde surgem possibilidades de desenvolvimento de soluções para aquilo que atualmente não vemos saídas. E é dentro do estuário com seus lamaçais que emerge um berçário para as inovações. O mangue não pode nos meter medo. Nesse mangue por onde andam as reclamações sobre a política é que estão os movimentos instituintes de possíveis partidos a serem instituídos.

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Estão evidentes seis grandes movimentos que preenchem vários segmentos da sociedade brasileira e representam seus interesses, mesmo quando negam a política. Eis o primeiro: um movimento que está calcado na defesa de valores voltados para a família clássica, que defende os bons costumes e refratária a qualquer mudança nesse sentido, acrescido da defesa de uma sociedade que possa se armar. O segundo movimento está inserido no campo religioso, mais especialmente no cristianismo baseado na teologia da prosperidade com base no catolicismo de cunho mais conservador e do protestantismo de viés neopentencostal. O terceiro movimento está muito presente no segmento socioeconômico do agronegócio, suas terras, suas tecnologias e seu Produto Interno Bruto. O quarto movimento se evidencia nos defensores da pauta liberal marcada pela importância do mercado financeiro, da não intervenção do Estado na economia, e liberalidade nos costumes, com tons cinza de alguma política pública social. O quinto movimento fica muito claro por parte da sociedade que olha o Estado como extensão de seus interesses, uma espécie de patrimonialismo renovado. E há o sexto movimento, que se caracteriza pela pauta liberal nos costumes, de ampliação das políticas públicas sociais e de estabelecimento de uma intervenção estratégica em setores da economia.

Esses cenários em que atuam tais movimentos sociais no Brasil podem representar a possibilidade da passagem de sua fase instituinte para a fase de instituição de partidos políticos com estatutos claros, representantes, bandeiras, participação em eleições e exercício de mandatos mais vinculados ao que reza cada um dos programas partidários a serem instituídos, que possam ser cobrados pelos seus filiados, militantes e simpatizantes, especialmente seu eleitorado.

Todos esses movimentos já possuem representantes nas casas legislativas e executivos no âmbito municipal, estadual e federal. Todos eles exercem pressão sobre os mandatários de cargos eletivos no país. Todos eles defendem seus pontos de vista de forma arraigada. Todos eles fazem política. Todos eles precisam de partidos. Então, por que não caminhar para o encontro das idéias e conformar linhas partidárias que possam fortalecer cada um desses grupos e tecer as linhas de uma sociedade que mira a democracia como um horizonte alcançável?

 A resposta não está em cada um dos movimentos. Está em seu estuário. Nesse mangue que se movimenta pela idas e vindas das marés puxadas e repuxadas pela força da lua. Está na força do estuário da democracia, pois dentro dela tem um povo cheio de pessoas, seus movimentos, seus interesses, seus sonhos, seus desejos, suas singularidades e multiplicidades, construindo pontes entre espaços de convivência onde as diferenças que se expressam não possam verbalizar e nem materializar o desejo do extermínio do outro e nem do planeta. Muito contrariamente, o outro passa a ser uma referência para a afirmação de cada um de nós. E o planeta passará a ser a casa de morada das gerações futuras, não mais marcada pela nossa herança sanguínea.

E quem sabe, talvez, inventemos um mundo marcado pelas diferenças para que sobrevivam as semelhanças da nossa espécie.

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