Ontem eu tive um dia de merda. Mas, hoje eu acordei com uma energia de Pikachu movida pelo espírito ragatanga. Mas, ontem… ontem eu tive um dia tão ruim, tão ruim que o ponto alto de produtividade foi quando eu detonei uma caixa de Ferrero Rocher maratonando Mad Man (série da Netflix). Nos intervalos da “mini depressão” me sustentei com doses e picos de dopamina fácil presenteados pelas redes sociais. Vi vídeos de gatinhos, cachorrinhos, um meme do belo desejando bom dia e pá! Aquela trend que ninguém é triste em 2024. E eu, naquele dia infernal…
Mas hoje eu estou feliz. Acordei, custosamente. Lavei a cara, tomei meu café. Troquei de roupa para ir à academia. Olhei fundo no espelho e disse “Quem é minha guerreira?”. Sou eu mesma. Fiz lá meu exercício, e aí me alimentei da dopamina saudável, e com a endorfina que relaxa e enche de energia o corpo do ser humano.
Mas, ontem … Ontem eu chorei o que tinha pra chorar. Saí da dieta, comi chocolate, não fiz exercício físico, me culpei, me maltratei, me mimei, tive dor de cabeça, dormi, acordei, dormi de novo e só levantei pra comer e jogar videogame para depois ir dormir novamente.. Ontem eu beijei o chão frio do fundo do poço (olha o drama!) de um jeito que até minha psicóloga me ofereceu uma sessão extra. Não consegui nem responder.
Mas hoje… Hoje eu estou feliz. Mas só consegui receber esse pico de felicidade momentânea porque me deixei sentir a tristeza. A tristeza é necessária. Não é mal. É reflexo da ambiguidade e instabilidade humana. É momento de recolhimento, reconhecimento. É o impulso do fundo do poço para se reerguer.
Visualizando o mundo lindo das redes sociais, onde todos são sucedidos, sempre felizes, impossível de ser triste em 2024, percebi duas ideias latejantes nos discursos comuns das postagens aleatórias que seguiram essa trend do momento: a tristeza é condenável e a felicidade é plena.
Essas duas ideias, entretanto, logo se contradizem por um detalhe: uma abismo semântico entre os verbos ser e estar. Ora, a tristeza não é condenável, ela pode ser em algum momento. Não é sempre. E mesmo assim, na maioria das vezes é um sentimento genuíno, necessário, inerente à humanidade, e passageiro como a própria vida. Nem a felicidade é plena. Nem deve ser. Nunca foi. A felicidade se configura em momentos, memórias, lembranças, sentimentos que vão, voltam, se despedem, depois retornam, para alguns em intervalos mais longos do que outros.
Mas as redes colaboram para estigmatizar os sentimentos, comportamentos, padrões de vida. Diversos estudos apontam como o uso dessas plataformas digitais pode aumentar a comparação social e sentimentos de tristeza. Um estudo estatístico de psicologia realizado por Carly A. McComb (A Meta-Analysis of the Effects of Social Media Exposure to Upward Comparison Targets on Self-Evaluations and Emotions), em 2023, apresentou que comparações sociais ascendentes nas redes sociais resultam em autoavaliações e emoções negativas, incluindo imagem corporal, bem-estar subjetivo, saúde mental e autoestima.
E o que diz uma trend que coloca a felicidade como padrão estável? O que diz um movimento em que só demonstramos nossos sucessos num álbum compartilhado para o mundo? A quem queremos enganar? Se as redes sociais falam por nós, o que estamos dizendo para quem nos ver? Eu, particularmente, ao invés de sorrisos plásticos, prefiro a vulnerabilidade da humanidade. Um sorriso espontâneo, um cabelo assanhado, um texto de coração aberto, uma foto genuína, engraçada, gentil comigo e com os outros.
Nas redes sociais, mais do que nunca, é preciso diferenciar as situações entre ser e estar. Não é possível ser feliz, é possível estar feliz. Assim como não é possível ser triste, é possível estar triste. Diferente do verbo to be, que no inglês significa ser e estar ao mesmo tempo, a maravilha da língua portuguesa é trazer uma diferença sutil, mas significativa: estar é perene, ser é eterno. Estar é passageiro. Ser é duradouro. A única coisa que a felicidade é é instável, não plena. Assim como a tristeza, que também, por mais que muitas vezes se demora em nossos corações, não é eterna. Nunca será.
Entre ser e estar, feliz ou triste, eu fico com ser vulnerável, estar aberta, por vezes fechada, estar triste, mas também estar feliz, ser feliz e triste ao mesmo tempo. Ser viva. Estar presente, estar ausente, mas ser… ser humana.