Fernando Guedes Jr é turismólogo e historiador; mestre em História pela UFRN. Trabalha com magistério nas redes pública e privada da cidade de João Pessoa. Instagram: @afernandojunior
Fernando Guedes Jr é turismólogo e historiador; mestre em História pela UFRN. Trabalha com magistério nas redes pública e privada da cidade de João Pessoa. Instagram: @afernandojunior
Enem: instrumento de Estado?
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Milton Ribeiro, ministro da Educação (Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil)

Trinta e sete servidores do órgão do Ministério da Educação (MEC) responsável pelo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) pediram, no último dia 8, exoneração e dispensa coletiva faltando 13 dias para a prova. Aparentemente há uma crise no Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) e a alegação para esta debandada teria sido assédio e desconsideração de aspectos técnicos nas tomadas de decisões da atual gestão.

Uma semana depois da debandada, o presidente Jair Bolsonaro disse, no último dia 15, que o Enem “começa a ter a cara do governo”. Denúncias relataram tentativas de interferência no conteúdo das provas para não desagradar ao Palácio do Planalto na elaboração das questões. “Começam agora a ter a cara do governo as questões da prova do Enem. Ninguém precisa agora estar preocupado com aquelas questões absurdas do passado, o tema da redação não tinha nada a ver com nada”, disse Bolsonaro.

Tais notícias a menos de uma semana da prova é de nos deixar, no mínimo, preocupados. Fiquei pensando no que diria aos meus alunos. O que é a “cara do governo”? O que eram as “questões absurdas do passado”? O que é “não desagradar ao Palácio do Planalto na elaboração das questões”? Tudo isto é muito grave. Como professor de História tenho imensas preocupações com o que pode surgir na prova do próximo domingo. Em sendo verdade, estamos em um retrocesso comparável com o período medieval, ou, mais próximo de nós, de regimes que promoviam uma educação dirigida, ditando o que se deveria ou não deveria estudar.

Regimes ditatoriais, fossem de direita ou de esquerda, utilizaram-se de uma educação dirigida em um período não tão longe. Todas essas ações tinham uma proposta “educativa” com objetivos claros: produzir cidadãos ideais que seguissem incondicionalmente as ordens do “Chefe”, ou em outros termos, educar os cidadãos para funcionar e não para pensar. Era investir na educação dos jovens para que eles se tornassem os adultos que o regime queria. Alguns leitores devem se lembrar que as disciplinas de sociologia e filosofia não eram obrigatórias em seus tempos de escola. Quais os motivos? A disciplina de História se pautou, durante algumas décadas, em um ensino positivista, onde se conhecia a versão “oficial” e se davam os louros dos grandes feitos aos grandes personagens. O flerte não me parece coincidência.

Já será difícil aos historiadores explicarem uma série de coisas sobre o Brasil de hoje às gerações de amanhã. Retomar discussões que já pareciam ser superadas. Lembro-me da dificuldade em que me encontrava para explicar a Revolta da Vacina aos meus alunos, parecia não haver lógica nenhuma naquela revolta, mas eis que vivemos um período que se tornou absolutamente fácil compreendê-la.

Quando um presidente defende mudanças em livros didáticos, afirmando que atualmente eles têm “muita coisa escrita” e que é preciso “suavizar”, além de quando os livros forem feitos por sua gestão, as publicações irão conter a bandeira do Brasil e o hino nacional, já é de se esperar qual o projeto de educação. Histórico de ministros da Educação é de gafes e impropriedades. Em um ano e meio de governo, quatro nomes passaram pela pasta. Entre críticas a brasileiros, denúncias de que as universidades são um “antro de maconheiros” e “balbúrdias”, falsificação de currículos e a ideia de que universidade “deveria ser para poucos”. A atuação dos ministros são apenas reflexo da educação brasileira.

Aguardemos o que vamos encontrar logo mais. Essas falas, como várias outras deste governo, podem querer dizer muita coisa, inclusive nada…

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