Acordei. E abri os olhos como a grande maioria dos corpos viventes. Olhei as frestas entre a cortina e o blecaute. Como estou entre os trópicos, raios de sol me alertaram que o dia me exigiria práticas cotidianas. Assim como todo mundo, me levantei e comecei a fazer o que se faz todo dia para não sair nu, com mau hálito e assanhado.
Hoje é domingo! Celebrei-o com um café na esquina. E entre um gole e outro, pausei para namorar o movimento nesse café-padaria. Clientes de todos os tipos: homens, mulheres, crianças e cachorrinhos tantos e de todas as idades; garçons, garçonetes e caixas; pedintes; ambulantes, todos focados no seu fazer; e, na primeira avenida à vista, muitos carros que iam e viam em velocidades controladas. Sem querer, automaticamente, puxei um pouco a cadeira para fora da mesa e cruzei as pernas como meu pai.
Então, do movimento dos carros passei a ver uma rua batida no barro, sem automóvel, apenas uma bicicleta e dois meninos sendo acompanhados por um homem maduro, cinquentenário.
Me pergunto: como um ser humano naquela idade, avesso a exercícios físicos, tinha paciência para acompanhar uma bicicleta com seus filhos? Aquele corpo magro, alto, esguio, reto feito uma vara. De olhos miúdos e azulados que se contrapunham ao céu. No meio da rua, aos 50 anos, bem no meio da vida, expondo sua brancura ao sol, de calças compridas, suado, botando a mão na cintura como quem diz: estou me cansando! Mas sem reclamar de nada. E ainda dividia a bicicleta com algum pirralho amigo que por ali aparecesse.
O que seria esse ato de um cinquentão com os filhos e os amigos dos filhos na busca de levar aos pequenos a sensação de dar a cara ao vento?
Eita, meu irmão quase atropelava o sargento Félix. Caiu. O guidom adentrou em sua coxa. Gritei: papai! Ele chegou rápido feito o Corisco do sítio, segurou a cabeça de Nenê; em seguida, garroteou com seu cinturão a parte superior da perna perfurada. E com uma mão na coxa e a outra no guidom, puxou-o, sangrou pouco. Logo depois, acariciou o rosto espantado de Nenê que não chorava. Eles não falaram nada. Apenas trocaram olhares de brilhos azuis e castanhos. Ternura e espanto se entreolharam. Nada de choro, palavra ou grito, sequer gemido.
O garçom me perguntou se desejaria um segundo café, porque o primeiro esfriou. Levantei a cabeça e olhei para o garçom. Ele olhou para mim. Expressamos um leve sorriso e ele me trouxe um café quente.