Marina Magalhães é jornalista, professora e pesquisadora. Doutora em Ciências da Comunicação (Universidade Nova de Lisboa), mestre em Comunicação e Culturas Midiáticas e bacharel em Comunicação Social (Universidade Federal da Paraíba). Instagram: @marinamagalhaes_m
Marina Magalhães é jornalista, professora e pesquisadora. Doutora em Ciências da Comunicação (Universidade Nova de Lisboa), mestre em Comunicação e Culturas Midiáticas e bacharel em Comunicação Social (Universidade Federal da Paraíba). Instagram: @marinamagalhaes_m
Feliz dia das mulheres não-mães
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(Foto: Arquivo pessoal)

De uns tempos para cá, sempre que se aproxima o segundo domingo de maio, em que se comemora o dia das mães no Brasil, as redes sociais são tomadas por um tema “polêmico”: a discussão em torno do fato de que mãe de pet não é mãe. Não bastasse todo dia das mães (para não dizer quase todo santo dia) nós, mulheres não-mães, termos que nos explicar sobre as escolhas ou chances da vida que nos levaram para caminhos distintos da “maternidade real” – aquela que nos empurram como condição sine qua non de ser mulher – agora precisamos também explicar para as “mães reais” que não queremos roubar o título delas. Mesmo quando chamamos gato, cachorro ou papagaio de filhos.

Ao longo do fim de semana me deparei com diversas postagens do gênero na internet. A tomada coletiva da palavra por mulheres historicamente silenciadas provoca discussões importantes tanto para a nossa evolução como gente, quanto para os feminismos – sim, plurais, e por isso mesmo atravessados por tensões. Entre um dilúvio de textos inteligentes, sofridos, doídos, na tentativa de ocupar esse lugar de fala tão necessário, sobrou política e faltou afeto. Sobrou para as mulheres não-mães (reais). Sempre sobra para a mulher, de uma forma ou de outra. Até quando mulheres que pregam a sororidade escrevem. Pois bem, as redes sociais nem sempre são maternais.

Não coloco em discussão os direitos das mães desromantizarem a maternidade. Acho um discurso bem corajoso expor as abnegações e transformações do maternar assim, para todo mundo ler, em alto e bom som, coisas que nossas mães e avós sofreram sozinhas, na solidão das noites insones. Obrigada por isso, que nos liberta e empodera! Nós, mulheres não-mães (reais), aprendemos um tanto com essa partilha de experiências, por meio do que lemos nas redes ou vivenciamos cotidianamente, como amigas, vizinhas, tias, madrinhas ou madrastas, como membros dessa aldeia que faz parte da vida dos filhos de vocês.

Mas, aprisionar a experiência materna nas paredes da política é negar todos os seus outros sentidos. “Amar um animal como um filho”, “cuidar de um projeto como uma mãe”, “parir uma tese de doutorado”, são expressões comuns na nossa língua quando queremos traduzir afeto, comprometimento, realização. Esses elementos também fazem parte do universo da maternidade, ainda que socialmente construído, sem desmerecer toda a carga que criar um ser no mundo acarreta. Nem toda força de expressão representa uma disputa de discurso por esse lugar que só as mães reais conhecem.

Como disse Nana Queiroz, autora do livro Presos que menstruam: A brutal vida das mulheres – tratadas como homens – nas prisões brasileiras, há uma miríade de temas que tornariam essa discussão do dia das mães mais fértil. A luta pela licença-maternidade contínua (com a cobertura do período de aleitamento materno exclusivo), o apoio às mães das favelas que diariamente perdem ou seus filhos [seja para o tráfico ou para “operações” da polícia], as mulheres presas que continuam parindo os seus bebês em solitárias… Todos são exemplos do que merece o nosso grito hoje.

“Nada disso é culpa das mães de pet. Mães de pet, pelo contrário, são vítimas de uma outra parada chamada ‘maternidade compulsória’. Ser mãe de pet é a maneira que muitas encontraram de aliviar a dor de ser vista como um fracasso pela sociedade por não ter parido”, comentou a escritora em seu perfil no Instagram.

Ser mãe deve ser realmente difícil. Ser uma mulher não-mãe (real) também o é, por mais fértil que se seja em outros campos. Existe um sem fim de mulheres referências nas artes, nas ciências ou na política consideradas menos mulheres porque não se casaram. Ou não tiveram filhos. Ou casaram e não tiveram filhos. Ou tiveram filhos, mas não se casaram. Ou não educaram os filhos bem. Dificilmente seremos boas o bastante. Com ou sem macho. Com ou sem filhos.

Há umas semanas mesmo eu – que não sou referência em nada, mas com certo orgulho reconheço que já fiz um bocado na vida – ouvi de alguém que casamento sem filho não é casamento. É o tipo de comentário que maridos sem filhos quase nunca ouvem. Para eles, tudo bem a carreira vir antes. Em alguns casos, todo o resto também.

Enfim, por questão de escolha, saúde ou destino, há mulheres que experimentam algo parecido com a maternidade da forma como é possível. Guardadas as proporções de responsabilidade e afeto, há sim quem a vivencie com os não humanos e lhe deem esse nome por convenção linguística ou por amor, simplesmente. Por isso, mulheres mães reais – falo aqui para as mais radicais no exercício de se autoafirmarem –, não nos digam o que devemos sentir. O mundo já cuida isso.

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