Jornalista, fotógrafo e consultor. Mestre em Computação, Comunicação e Artes pela UFPB. Escreve desde poemas a ensaios sobre política. É editor no Termômetro da Política e autor do livro infantil "O burrinho e a troca dos brinquedos". Twitter: @gesteira.
Jornalista, fotógrafo e consultor. Mestre em Computação, Comunicação e Artes pela UFPB. Escreve desde poemas a ensaios sobre política. É editor no Termômetro da Política e autor do livro infantil "O burrinho e a troca dos brinquedos". Twitter: @gesteira.
Legítimos e inconsequentes
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Em sentido horário: prefeitos de Campina Grande, Bruno Cunha Lima; Cabedelo, Vitor Hugo; Bayeux, Luciene Gomes; vereadores de João Pessoa; prefeita do Conde, Karla Pimentel (Fotos: Reprodução/Instagram/Olenildo Nascimento-CMJP)

São legítimos todos os prefeitos e vereadores eleitos pelo voto direto no último pleito eleitoral, em 2020, para mandatos de quatro anos. Aqueles que ocupam cargos nos Poderes Legislativos, escolhidos por seus eleitores no modelo de democracia representativa, devem, sim, representar os interesses de quem os escolheu, assim como atuar em favor da proteção social e melhoria da qualidade de vida de todos. Os chefes dos Poderes Executivos, eleitos pela maioria, devem governar para o bem-estar de todos, optantes ou não por seus projetos de governo.

O Brasil passa pela maior crise sanitária de sua história, com quase 300 mil mortos pela covid-19 e o número de infectados à beira dos 12 milhões. Na Paraíba, mais de 5 mil pessoas já perderam a vida para a doença. Diante de um desafio sem precedentes, parte da classe política eleita em 2020 mostra egoísmo, despreparo e falta de percepção para a gravidade do problema.

Milhares de mortes poderiam ter sido evitadas com um comando central que tivesse conduzido desde o início o enfrentamento à pandemia sob a luz da ciência e com a devida seriedade.

O presidente da República não soube gerir a compra de vacinas para proteger a população e pôs o Brasil nas últimas colocações do ranking mundial da vacinação. Sem o fechamento dos espaços aéreos e das rodovias federais, a covid-19 se alastra vertiginosamente por todas as unidades da federação. Aos governadores, resta a corajosa adoção do lockdown. Assim fez o do Amapá, mas nem todos entendem isto como caminho.

Como as instâncias superiores não arrocham o cerco contra a doença, fica a cargo dos prefeitos a responsabilidade de um fechamento mais duro. Porém, a cada descida de degrau nos limites dos poderes, menor é o alcance das medidas mais restritivas.

Governadores não conseguem isolar seus estados porque não têm o poder de fechar rodovias federais, prefeitos não conseguem bloquear rodovias estaduais, e isso resulta em uma batata quente onde cada gestor passa para o colega o encargo de assumir o desgaste junto à classe empresarial, que pressiona contra o fechamento.

Se aos prefeitos falta a coragem de fazer o necessário lockdown e restringir a circulação de pessoas dentro dos limites de seus municípios, restringindo também a disseminação do vírus, resta ao menos seguir os decretos estaduais. É a velha máxima de “se não pode ajudar, não atrapalhe”.

Em João Pessoa, o prefeito Cícero Lucena (PP) copiou a figurinha do governador João Azevêdo (Cidadania) e fez o básico. Assim como no estado, o município segue a política de abrir mais leitos para mais doentes, traduzida como “enxugar gelo”, como disse o próprio secretário municipal de Saúde, Fábio Rocha.

Mesmo com o desafio de gerir as cidades e proteger as pessoas do avanço do vírus, causou espanto a forma como os prefeitos de Campina Grande, Bayeux e Cabedelo decidiram editar seus próprios decretos com o afrouxamento das medidas restritivas nos municípios. Bruno Cunha Lima (PSD), Luciene Gomes (PDT) e Vitor Hugo (DEM), respectivamente, consideraram que igrejas são serviços essenciais e decidiram permitir a realização de cultos e missas.

Da mesma forma agiram os vereadores da Câmara Municipal de João Pessoa, quase em sua totalidade, quando aprovaram projeto de lei que reconhece os cultos e missas como atividades essenciais na capital, mesmo em tempos de emergência ou calamidade pública.

Uma desumanidade em meio à pandemia. Um desrespeito aos milhares de mortos. Mesmo com a possibilidade de se realizar os cultos por meio de transmissões ao vivo; mesmo com a recomendação dos principais líderes das igrejas católica e evangélicas. Nada adiantou para que estes políticos entendessem que a vida é mais importante do que a fé de alguns.

Até tentaram remendar com a desculpa de que o motivo eram os serviços prestados pelas igrejas junto às comunidades, mas o governo logo desmentiu e provou que nenhum destes serviços fora interrompido por qualquer decreto, apenas as missas e cultos estavam suspensos, por um bem maior.

Pior ainda fez a prefeita do Conde, Karla Pimentel (PROS). Achou que aglomerar em igrejas era pouco, permitiu que bares e restaurantes fossem abertos no fim de semana, confrontando o decreto estadual que determina o fechamento. A prefeita foi tão bacana para os donos de restaurantes e também para o coronavírus que avisou do funcionamento no fim de semana com a devida antecedência, assim as pessoas desapegadas da responsabilidade coletiva poderiam aproveitar o dia de lazer em Jacumã tranquilamente, com copo na mão e pé na areia.

Para frear tantos absurdos e proteger a população, o Governo da Paraíba precisou recorrer à Justiça. É um disparate que se precise chegar às vias judiciais tão somente pela falta de bom senso.

Mas o que falta a estes gestores e parlamentares que pensam mais em si e em agradar aos seus, mesmo que as decisões exponham as vidas das pessoas, não é só bom senso. São desqualificados em diversos aspectos. Desconectados da realidade e do bem comum. Destoantes da própria noção de que devem servir para o bem de todos. Pelas ações demonstradas, não sabem nem o que fazem, tampouco a que vieram. Estão restritos à política do agrado e da miudeza. Pouco importa se as pessoas podem morrer, se as mortes são evitáveis. São legítimos em seus cargos eletivos, porém absurdamente inconsequentes.

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