Jornalista, fotógrafo e consultor. Mestre em Computação, Comunicação e Artes pela UFPB. Escreve desde poemas a ensaios sobre política. É editor no Termômetro da Política e autor do livro infantil "O burrinho e a troca dos brinquedos". Twitter: @gesteira.
Jornalista, fotógrafo e consultor. Mestre em Computação, Comunicação e Artes pela UFPB. Escreve desde poemas a ensaios sobre política. É editor no Termômetro da Política e autor do livro infantil "O burrinho e a troca dos brinquedos". Twitter: @gesteira.
O negro nasce pré-cancelado no Brasil
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(Foto: Divulgação/Netflix)

Parece ser repetitivo dizer que o racismo no Brasil é estrutural. Em tempos de cancelamentos nas redes sociais digitais, a postura antirracista deve ser tão ou mais urgente quanto é a corrida do ódio sempre que um negro em evidência comete qualquer deslize. O crime praticado por um negro tem punição vinte vezes mais pesada do que o mesmo cometido por um branco, pois se as leis são as iguais para todos, o mesmo não se pode dizer do dano causado à imagem quando a figura pública em questão se trata de um negro. A premissa vale para artistas, políticos, e também para atletas.

Chamou atenção o caso recente da cantora Karol Conká, participante da edição 21 do programa Big Brother Brasil, da Rede Globo. A cantora foi eliminada com a maior rejeição em toda a história do programa. Karol teve diversos comportamentos tóxicos ao longo de sua participação, porém o mais grave foi a xenofobia contra nordestinos, direcionada a Juliette Freire, paraibana de Campina Grande.

Os atos de Karol são abomináveis. Porém, entremos no campo do imponderável: haveria a mesma urgência para cancelar uma figura pública se ela não fosse negra?

A comunidade na internet também é bastante tóxica quando se trata de promover cancelamentos. O ato de “cancelar” em si é novo, mas remonta a práticas antigas de deslegitimação a apagamento. Como se os feitos anteriores fossem todos por água abaixo. E se nada justifica a xenofobia, também é complicado dizimar uma pessoa que comete tal ato.

O cancelamento desconhece perdão, aprendizagem e ressocialização. Antes de ser “cancelada”, Karol Conká já havia perdido milhões de reais em contratos de publicidade. Ferir de morte a imagem de uma figura pública pode causar danos tão profundos que impeçam um recomeço.

Claro que Karol Conká conseguirá recuperar o que perdeu, nem que seja com muito trabalho e gerenciamento de crise. Em outros tempos, as crises não eram gerenciadas. Quando a grande mídia escolhia um para cancelar, a tecla era batida até que se tornasse música.

Wilson Simonal teve sua história contestada por suposto envolvimento com o governo militar durante a ditadura no Brasil. A imprensa o cancelou, e na época sequer havia a possibilidade de falar diretamente aos fãs por meio das redes sociais. A história é de um artista negro, com medo do regime, cancelado para sempre. Roberto Carlos, por exemplo, não sofreu os mesmos questionamentos.

A história dos artistas serve como exemplo para trazer à tona o problema enfrentado pelo maior jogador de futebol de todos os tempos. Conforme falamos na semana passada, o filme Pelé (Netflix, 1h48min, 2021) aborda o tema de forma corajosa. Pelé foi marcado com um “porém” sempre que se faz referência à sua carreira, como se pela omissão à ditadura ele não fosse bom o suficiente. É imponderável, pois nenhum outro jogou tanto quanto Pelé, mas duvido que um atleta branco fosse questionado da mesma forma.

Esta semana nos lembra de não esquecermos os 21 anos de chumbo, perseguições, sequestros e mortes causadas pelo regime militar no Brasil. Também é importante lembrar que ser antirracista é luta diária para conseguirmos transformar um país construído com a força de trabalho da escravidão. E se atletas brancos e privilegiados como Sócrates e Casagrande tinham voz e coragem para enfrentar a ditadura, não culpemos aqueles que não fizeram o mesmo por medo.

Texto publicado originalmente na edição de 2.4.2021 do jornal A União.

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