Doutora em Ciências Criminais, pesquisadora e servidora pública.
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Os tipos de bolsonaristas e suas fake news favoritas
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No auge da disseminação de fake news, apoiadores do então candidato à Presidência da República, Jair Bolsonaro, em ato na Praia de Copacabana, no Rio de Janeiro (Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil)

Toda semana, brasileiras e brasileiros sensatos se surpreendem, mais uma vez, com a inabalável base de apoio ao governo Bolsonaro. Cerca de 30% da população são rochas indestrutíveis de estupidez, abominações políticas, éticas, cognitivas e estéticas, resistentes a qualquer tipo de exposição baseada em argumentos concatenados sem retoques conspiratórios.  

Na mesma linha da eleição estadunidense e do Brexit, a nossa população foi submetida a um bombardeio on-line de notícias falsas favoráveis à extrema direita, com mensagens cuidadosamente elaboradas e disseminadas com a ajuda de algoritmos, que expunham, de maneira certeira, uma história absurda ao ignaro perfeito, com um conteúdo apelativo capaz de reforçar suas crenças conservadoras e afastar de vez o fantasma do comunismo e da pouca vergonha.  

Nesta pequena exposição, tentaremos simular o trabalho realizado pelos algoritmos para identificar os tipos de presas bolsonaristas e as fake news especialmente elaboradas para seduzi-los.  

1. O cientologista sincretista

Para compor a agremiação de amantes do espaço, ao lado do astronauta brasileiro, encontramos o cientologista tupiniquim. Respeitando a inclinação da nossa gente ao sincretismo, ele conquista a façanha de unir numa mesma interpretação sobre fenômenos do mundo desde extraterrestres a teorias da conspiração, judaísmo, cristianismo e esoterismo. É particularmente muito interessante a história em que ETs vieram à Terra para revelar a Moisés os Dez Mandamentos. É um believer, acredita em tudo, menos na ciência tradicional. O seu caráter sonhador tende a se encantar com histórias de contos de fadas, reis e rainhas, e por isso costuma ser do núcleo monarquista do bolsonarismo.  

Fake news favorita: PT distribuiria kits satânicos para crianças.  

2. O neonazista brasileiro

Encantado pelo contexto da Segunda Guerra Mundial, abastecido de uma literatura duvidosa sobre o tema, nosso ariano torto vive de se orgulhar de parte do seu sangue europeu. Descreve-se envaidecido como fechado e pouco afeito a abraços. Os europeus são assim, explica: pouco sociais. Acredita que sua pele é apropriada para os invernos gélidos da Escandinávia, mas calhou de nascer neste país tropical. O ar-condicionado gelado na sala de espera é uma oportunidade para mostrar sua resistência ao frio e manter-se com os bracinhos de fora. A adaptação do brasileiro ao calor é o que o torna avesso ao trabalho e justifica a miséria do país, disserta ele. Com os sobrenomes “Klein Silva”, ele oculta a parte Silva da família com unhas e dentes, alcunha que será perdida e esquecida nas próximas gerações. 

Fake news favorita: o Holocausto não existiu. 

3. O cristão fundamentalista

O bolsonarismo conquistou uma façanha inédita de dar inveja à Irlanda do Norte: a união de evangélicos neopentecostais e católicos carismáticos. Os dois grupos se unem pelo apego ao lado B da Bíblia, ressaltando tudo aquilo de menos importante descrito nas palavras sagradas e relegando coisas como… não assassinar as pessoas. “Erguei as mãos e dai…” um tiro na cara de bandido vagabundo safado. Faz arminha com a mão como se fosse o sinal da cruz, mas toda manhã dá “bom dia” fofo no grupo do Whatsapp, com orações enfeitadas por design gráfico de gosto duvidoso. Feliz do cristão fundamentalista de primeira geração, pois, depois de passar uma vida de devassidão e pecado, terá tudo perdoado pela graça de Deus, e agora é só dedicar sua existência a estragar a vida de sua prole, cultivando traumas irreparáveis lastreados em superstições e recalques.  

Fake news favorita: mamadeira de piroca, legalização da pedofilia. 

4. O intelectual conservador

Não se engane com a polidez, a camisa xadrez e os óculos tartaruga; por trás desse visual de senhor hipster, das palavras bem articuladas ditas em tom plácido, existe um homem feroz e amargurado. Solitário no mundo acadêmico e na vida, ele se dedica a ler autores liberais de pouco respeito e, nas folgas, posta um vídeo tocando um trompete desafinado na janela. Talvez tenha bom gosto, alguma sensibilidade artística, você pensa, porém, vez ou outra, como se fora acometido de uma síndrome de Tourette, ele, do nada, dá um berro racista. Nesse pequeno surto autoritário, acaba perdendo o prestígio perante o universo intelectual. Passa uma vida a valorizar autores que reescrevem a história do Brasil e do mundo de modo que ela seja coerente com sua existência. Mente no Currículo Lattes.  

Fake news favorita: o nazismo é de esquerda.  

5. O rockeiro de direita

“Contra tudo isso daí”, ele discursa com a mesma rebeldia simbólica de seu boné virado pra trás. Preso na estética do rock dos anos 1990, o rockeiro de direita é um saudosista dos tempos em que era livre para dizer parvoíce misógina e em que se atestava heterossexualidade fazendo gesto de vulva no ar. Seu estilo de vida perdeu popularidade no fim da primeira década de 2000 e ele não aceitou essa decadence avec elegance. Seus ícones foram rebaixados a subcelebridades e vagam em programas de TV e canais de Internet de menor prestígio. Desavisado, pensava que iria encontrar seus iguais na recente turnê de Roger Waters. Saiu decepcionado, indignado pela empreitada do artista em misturar música e política, o odor de comunismo era insuportável.  

Fake news favorita: Roger Waters foi beneficiado pela Lei Rouanet.  

6. O valentão

Um verdadeiro sucesso no Ensino Médio, ele era um atleta juvenil bem sucedido. Sorte que não chegou a participar de uma competição mais séria, pois certamente reprovaria no exame antidoping. O excesso de acne repentina não se devia apenas à puberdade. Já dirigia antes dos 18 anos e nos brindou diversas vezes com seu mau gosto musical, tocando estridentemente os hits favoritos nas caixas de som de seu Celta turbinado. Fazia bullying com os rapazes gays da turma, mas dentro do banheiro tentava beijá-los à força. Só ficava com menina se levasse à tiracolo seus cinco amigos bobos da corte.

Depois da escola, descobriu um mundo hostil que não valorizava suas qualidades sociais. Seu linguajar era inadequado, seu intelecto era menosprezado, as mulheres o acusavam de machista. Encontrou no bolsonarismo uma forma de resgate da época de ouro perdida. É organizador oficial de festas de encontro da turma do 3º ano.  

Fake news favorita: imagem de Pabllo Vittar substituirá a estátua do Cristo Redentor.

7. O Incel

No escuro do seu quarto, à meia noite, à meia luz, ele sonha e tecla na sala de um fórum virtual. O celibatário involuntário bolsonarista, na companhia de seus amigos virtuais, planeja a destruição do mundo e a própria implosão. Nasceu com a promessa de que teria tudo por ser homem e branco, mas o que a vida lhe deu? Falta de reconhecimento, rejeição. O petismo é culpado por dar abertura ao homem esquerdista e malandro, que agora usufrui das mulheres que seriam suas. Quando tudo acabar, finalmente será recompensando com 40 virgens. Vai ser a oportunidade de perderem a virgindade juntos, como uma bela comédia romântica infanto-juvenil.  

Fake news favorita: feministas defecaram e fizeram sexo dentro de uma igreja. 

8. O médico militante

Não entendeu nada quando a nova escala do trabalho o faria trabalhar mais e ganhar menos. Pensava que terceirização e precarização era só coisa de pobre. Mas ok, isso não o indigna, pode ser só mais um motivo pra manter a prática de sonegação de impostos. O que realmente o tira do sério é história de trazer médico cubano para trabalhar onde ele jamais iria pisar. Isso sim o motiva para riscar uma cartolina, comprar um nariz de palhaço e vestir uma camiseta preta, em luto. Tanto esforço pra entrar nesse grande camarote VIP do mercado de trabalho brasileiro, para depois darem de graça o abadá para esses médicos negros comunistas! De graça, só a universidade pública que cursou, mas agora que já terminou, pode privatizar tudo. 

Fake news favorita: médicos cubanos pretendiam criar núcleos de guerrilha no Brasil.   

9. O quase empreendedor

De unhas feitas, barba de desenho egípcio, sapatênis e uma polo Tommy Hilfiger falsificada, ele sonha com o dia em que irá a Miami para realizar o sonho da Tommy original. Incompetente no trabalho, ele compensa sua falta de profissionalismo puxando o saco do chefe. Quando ninguém está vendo, ele pesquisa dicas de como ficar rico. A riqueza ainda não chegou, mas o espírito de rico já está nele. Tudo pode ser, só basta acreditar, o cara lá de cima vai te dar. Vive a dar palestrinhas entre seus amigos sobre os melhores investimentos e sobre a importância da depilação feminina.  

Fake news favorita: Paulo Guedes vai salvar a economia do país.   

10. O boomer ressentido

Cinco horas da manhã, o senhor branco aposentado levanta, toma seu café e deixa a louça para alguém lavar. Já viveu 2/3 de século e alcançou a façanha de nunca tocar a gota de um detergente na vida. Bermuda (check), meia até metade da canela (check) e inicia sua caminhada matinal na praia. Chuta umas cruzes cravadas na areia em homenagem aos mortos pela Covid-19. Logo encontra seus antigos companheiros de jornada e relembram os velhos tempos de viagens a trabalho, surubas extraconjugais, corrupção ativa e sinuca. Tem saudade dos grandes tempos de ditadura militar, época em que havia moral e nacionalismo neste país e os homens podiam tudo. Zomba da pandemia, pois foi atleta nos tempos de menino. Já tem um leito de UTI com respirador o aguardando no melhor hospital da cidade. 

Fake news favorita: cloroquina é a cura para o coronavírus.  

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