Luísa é doutora em Estudos Literários e Feministas. Escreve e pesquisa a intersecção entre literatura e feminismo. luisagadelha[a]hotmail.com
Luísa é doutora em Estudos Literários e Feministas. Escreve e pesquisa a intersecção entre literatura e feminismo. luisagadelha[a]hotmail.com
ads
Para minha irmã, outsider
Compartilhe:
Jewish Women’s Archive. “Identical Twins, Roselle, New Jersey 1967“, de Diane Arbus

O patriarcado repaginado nos ensina que é empoderamento a exibição do corpo. Bundas, seios, coxas e cinturas em profusão, para puro deleite de quem em outras gerações recorria a revistinhas na surdina: o empoderamento permite que sejamos consumidas como carne (sim, o especismo) da forma mais explícita e menos erotizada possível. 

Porque a erotização deles, mal percebem eles, é canalizada na admiração por outros homens. É canalizada em falar de nossos corpos objetificados para outros homens. É canalizada numa masturbação solitária por corpos padronizados. 

O verdadeiro erotismo, eles nem desconfiam, reside em admirar cada corpo, por si só, com suas falhas e dobras e marcas, odores e suores, conjugado com a mente, que não pode ser fotografada nem é instagramável. 

Até lá, permanecemos reféns, para nossa sanidade mental, para nossa valorização social, para nossa validação social, de procedimentos invasivos que minam o pouco tempo e dinheiro de que ainda podemos dispor (e chamamos a isto liberdade, porque nossas avós mal dispunham de um nem de outro).

Clique aqui para ler todos os textos de Luísa Gadelha

O trabalho doméstico mina o nosso intelecto. E há mais de sessenta anos Betty Friedan o dizia. Porque a verdadeira admiração intelectual, o respeito, mesmo a competição, eles também canalizam para outros homens. Para nós, no máximo, o amor condescendente, o amor paterno, o amor da santa virgem (porque com as outras, que poderiam estampar as playboys, não, com essas eles não querem se relacionar afetivamente).

A verdadeira luta de classes é perpassada pela luta dos sexos. Simone de Beauvoir já dizia que não seria livre enquanto todas as mulheres não fossem livres. Morreu escrava. E também morrerei eu. E, enquanto escrevo isto, sou julgada radical por aqueles que querem, pura e simplesmente, me comer.

(No entanto, se não posso ser livre, que eu exercite, ao menos, a consideração pela minha irmã, outsider (valeu, Audre Lorde!). Não somos melhores nem piores em corpo, mente, capacidade, caráter. Somos todas reféns da mesma estrutura que nos subjuga há milênios controlando nossa sexualidade. Cada uma de nós recorre ao talento que lhe convém para sobreviver nessa selva de concreto. Nenhum modo, nenhuma fuga, é mais legítima que a outra. Pra quebrar com essa corrente, nada mais revolucionário que permanecermos unidas.)

Compartilhe: