Anderson Pires é formado em Comunicação Social – Jornalismo pela UFPB, publicitário e cozinheiro.
Anderson Pires é formado em Comunicação Social – Jornalismo pela UFPB, publicitário e cozinheiro.
Quero comer meu prato de Paraíba
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Foto: Reprodução/Instagram/Cozinha Roccia

Essa semana tivemos a notícia que a Cozinha Roccia, em João Pessoa, fecharia o restaurante e passaria a atender exclusivamente por delivery. O comunicado também ressalta a intenção de retornar em outro local, após a vacinação permitir o funcionamento com segurança.

A pandemia dificultou muito a manutenção de quem trabalha com atendimento presencial. Mas no caso do fechamento de um espaço destinado à alta gastronomia com apelo regional, existem outras perdas que devem ser ponderadas.

Acompanho a trajetória do Roccia como cliente e cozinheiro que também sou. Por diversas vezes indiquei o restaurante para quem me perguntava onde comer em João Pessoa. Alguns indagavam se é a comida que mais gosto. Sempre respondo que não tenho comida preferida. Já tive oportunidade de conhecer alguns dos restaurantes mais almejados e a minha indicação tem muito mais relação com a experiência que será proporcionada que só o sabor. 

Independente da preferência com relação aos ingredientes que o chef Onildo usa em alguns dos seus pratos, existe na sua proposta algo que é mais importante do que a comida servida: entrega-se cultura e se enfrenta a hegemonia do sabor.

Foto: Reprodução/Instagram/Cozinha Roccia

Alguém pode dizer: “mas existem diversos lugares que utilizam o feijão verde, a fava e produtos típicos da Paraíba”. Verdade, mas nenhum resolveu transformar isso em alta gastronomia e combater black angus com carne de bode.

Gastronomia é muito mais do que a comida servida. Existe um processo de constante resgate cultural que, em tempos de mídias sociais e difusão generalizada de padrões que a internet proporciona, cada vez mais é preciso que os aspectos culturais de um povo ou região sejam reafirmados. 

O processo de padronização é tão devastador que nossas crianças estão perdendo até o sotaque. Junto com isso vai todo o rescaldo cultural que é base da formação social da paraibanidade. Notem que a hegemonia econômica impõe comportamentos que matam tradições, emoções e sabores.

O que o Roccia se propôs a fazer na Paraíba é semelhante ao que se vê nas principais regiões gastronômicas do mundo, onde o sabor da terra é o principal elemento a ser ressaltado, com o toque de preciosismo que a alta gastronomia traz. A mesma exaltação que existe em se comer um risoto de arroz arbóreo com trufas deveria ser compartilhada por nosso arroz vermelho na nata.

É aí que fica evidente: cultura é suscetível a dominação econômica. Trabalhar na contramão do que se estabelece como aspiração de consumo é mais que gastronomia, é militância. Ao chef Onildo e ao Roccia, fica nossa torcida para que volte ainda mais enraizado, entregando pratos deliciosos com um toque especial de resistência.

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