Jornalista e doutoranda em Informação e Comunicação em Plataformas Digitais pela Universidade do Porto (PT). Autora do livro Flores nos Canteiros (A União, 2018). Interesse em temas sobre feminismo, viagens, comunicação e redes sociais. flavia.lopes.sn[a]gmail.com
Jornalista e doutoranda em Informação e Comunicação em Plataformas Digitais pela Universidade do Porto (PT). Autora do livro Flores nos Canteiros (A União, 2018). Interesse em temas sobre feminismo, viagens, comunicação e redes sociais. flavia.lopes.sn[a]gmail.com
Responsabilidade afetiva x responsabilidade histórica
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(Foto: Flávia Lopes)

Quem nunca levou um pé na bunda que atire a primeira pedra. Quem nunca deu um pé na bunda que atire uma segunda pedra. E quem nunca cobrou uma resposta e um posicionamento responsável de alguém que te fez sofrer que atire várias pedras. Mas, cuidado com a mira. Quando o assunto é responsabilizar quem tem o dever de ser responsável é preciso pular as armadilhas da culpabilização e vitimização. E nesse aspecto, acredito que a responsabilidade afetiva e a responsabilidade histórica estão no mesmo patamar, ou melhor dizendo, são diretamente proporcionais. Acredito que se um pedido de desculpas sincero e uma mudança de comportamento funciona no plano individual, pode funcionar também no plano geopolítico, não!? 

Eu já recebi alguns pedidos de desculpas de pessoas que me magoaram, e também já pedi desculpas por ter magoado pessoas, mas o que contou no final dessa responsabilização afetiva foi a ação de parar de ser machucado e de machucar. Porque de nada adianta um pedido de desculpas sem uma mudança de comportamento. Eu poderia querer guerra, vingança e “justiça”, ou as outras pessoas também poderiam querer fazer isso, mas a ação mais libertadora é seguir em frente, mesmo reconhecendo erros e procurando repará-los no seu próprio comportamento. E o que isso tem a ver com a geopolítica do mundo atual?

Num cenário em que Israel bombardeia a Palestina numa invasão territorial que desrespeita as leis internacionais e em que a Organização das Nações Unidas não toma medidas efetivas para o fim da guerra, assumir a responsabilidade tem tudo a ver, nesse caso uma responsabilidade histórica. Se entendermos o conflito a partir de uma visão crítica – ou a partir da concepção de educação libertadora proferida por Paulo Freire – veremos que é mais um caso do oprimido que quer ser opressor. Os judeus, povos expulsos de suas terras há muito tempo, perseguidos por um cristianismo avassalador sendo obrigados a refúgios e, mais recentemente, massacrados por um holocausto na segunda guerra mundial têm em sua história dor e sofrimento. 

E hoje, a partir do estado de Israel, perpetuam esse ciclo vicioso na mesma moeda, dessa vez do lado do opressor. Claro que os motivos para a continuação da guerra vão para além da disputa territorial “justificada” pelo direito àquela terra. Há para além disso muitas questões políticas envolvidas – como presença ocidental no médio oriente, dinheiro, petróleo, etc etc.  Mas a pergunta que angustia é: o que custa cessar fogo? Na minha cabeça infantil um simples acordo entre os estados, uma conversa e um apertar de mãos “vamos dividir o terreno”, salvariam milhões de vidas. A responsabilidade histórica, não só de Israel, mas de todos os países adjacentes que estão colaborando com esse genocídio – É GENOCÍDIO – poderia cessar essa guerra. Mas quem sou eu na fila do pão da ONU, não é mesmo? 

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Corta para a provável e “promissora” relação entre União Europeia e Mercosul, que não aconteceu. Isso mesmo. Não aconteceu por posicionamentos da própria União Europeia,  como o de Macron, presidente da França, que disse numa conferência de imprensa no âmbito da COP28 ser contra o acordo “por não estarem a ser tidas em conta questões de biodiversidade e clima”. 

Em uma conferência à imprensa, o presidente do Brasil, Lula, soltou logo um “E nós não somos mais colonizados. Somos independentes. E queremos ser tratados com o respeito dos países independentes que têm coisas para vender”. 

Agora imagina se a “teoria” da responsabilidade histórica fosse aplicada nesse contexto econômico? Imagina se os países europeus numa súbita epifania, um momento de “eureca”, uma divina iluminação achassem por bem pagar em reparação histórica todos os países que colonizaram e extraíram suas riquezas durante ANOS de exploração. Um acordo econômico seria o mínimo né!?   

Nesse viés da reparação histórica uma fala do ministro da Justiça Flávio Dino repercutiu na internet quando reagiu ao vídeo da portuguesa de raça (quando uma senhora espirituosa para não dizer racista e xenófoba disse que era portuguesa de raça e que nós brasileiros devíamos voltar à nossa terra). O ministro respondeu que aceitava a repatriação dos brasileiros se junto com eles fosse devolvido o ouro roubado. 

Para além de um âmbito social em larga escala, a responsabilidade histórica também deve ser pautada nas conversas que acontecem no nosso cotidiano. Um dia, um colega português soltando uma piada disse que foi brasileiro em outra vida, mas que nessa vida nasceu em Portugal, num país mais evoluído. Fiquei em silêncio olhando a cara dele e só consegui dizer que não é porque você está em um “país evoluído” que você é evoluído. Quando na verdade eu deveria ter dito que é fácil ser evoluído e construir riqueza roubando de outros países que hoje não são “evoluídos” à custa de toda essa “evolução europeia”. A nossa miséria não é fruto do agora, mas de um passado usurpado e seria muito, mas muito recompensador saber que europeus entendem e lutam contra isso.

Seja no plano político, econômico, social ou individual, a responsabilidade – afetiva e histórica – deve ser pautada. Agora imagina se todo mundo se responsabiliza pelos seus erros, eram menos corações partidos, bolsos vazios e vidas perdidas. 

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