Médica pela UFCG. Medicina Baseada em Evidência. Atendimento Humanizado. Defensora do SUS. Feminista. Instagram: @priscilawerton.
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Seja um médico melhor
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Desde que existe a medicina, sabe-se que a relação médico-paciente é frágil e delicada. Abaixo listei algumas observações para que sejamos médicos melhores para os nossos pacientes.

Seja um médico melhor em 20 passos:

1) Não imponha sua fé a ninguém, na dúvida: pergunte. Se você não tem fé religiosa, não atrapalhe a fé dos outros;

2) Não chame os pacientes de dona Maria e seu José.

Como ensina a Deusa da medicina Melania Amorim em suas aula-shows, o som mais agradável que a gente escuta é o som do nosso nome;

3) Escute o que o paciente tem para contar. Às vezes a história é longa, seu papel não é interromper para encurtar, é organizar as ideias visando um diagnóstico mais preciso (ordem cronológica, organizando a relação do paciente com terceiros, várias ferramentas podem ser usadas);

4) Não dê notícias em ambientes públicos. Corredores não são bons lugares para conversar.

Leve o paciente e/ou seu acompanhante a um ambiente privativo em que ele se sinta seguro, com silêncio para que sua voz seja ouvida com clareza. Espere o tempo que ele precisar para assimilar as notícias. Ofereça um copo com água e respeite o espaço de cada um, abraços e toques nem sempre são apropriados;

5) Use roupas que te caracterizam enquanto profissional. Os próprios EPIs já fazem muito bem esse papel (outros podem ser: esteto, crachá…);

6) Tenha orgulho da sua profissão como qualquer outra pessoa teria orgulho do que faz. Ser médico é realmente uma honra, poder salvar vidas é lindo! Mas isso não te dá o direito de se sentir superior a ninguém, nem muito menos humilhar ou se dirigir ao outro com superioridade por ser médico. Você ainda é humano e apenas um trabalhador como todos os outros profissionais do mundo;

7) Use palavras que façam parte do vocabulário do paciente, comparações com coisas do contexto em que ele está inserido ajudam muito;

8) Pergunte as condições financeiras do paciente antes de passar alguma medicação, é um assunto chato, mas precisa ser levado em consideração, pois não adianta passar uma medicação super cara se o paciente não vai conseguir comprar. Melhor passar um de 2ª linha, mas que você consiga garantir a adesão ao tratamento, do que impor uma medicação de primeira linha que o paciente não vai usar e, por consequência, vai ficar sem medicação nenhuma… e cuidado pra não ser ofensivo;

9) Diga sempre a verdade e não prometa o que você não pode cumprir. Troque o “vai dar tudo certo” por “estamos fazendo nosso melhor”. Você não pode garantir que vai dar tudo certo, mas pode garantir que está dando seu melhor junto à sua equipe, isso estreita a relação médico-paciente, uma vez que o paciente vai reconhecer nas suas palavras uma ideia palpável, e não apenas uma frase de consolo;

10) Para paciente que vem buscar receita: isso é um atendimento comum em emergências e muitos médicos ficam com raiva do paciente, acham ruim que o paciente “só quer saber da facilidade de pegar a receita no PS”.

Mas já parou pra pensar em como tá a vida dessa pessoa? Será que ela está fazendo isso só pra irritar você? E se o contexto social dela for complexo, o que custa você facilitar a vida dela? Cinco minutos do seu tempo… que você transforma em 10 de chateação, poderiam ter sido só cinco e todo mundo ia sair feliz.

Você pode explicar ao paciente que a emergência não é o serviço ideal para renovação de receitas, mas use um tom amistoso, reduzindo atritos com o paciente e desgaste para você mesmo, que ainda deve precisar de disposição para enfrentar o resto do plantão;

11) Não discuta conduta de outros médicos. Isso é o básico, mas principalmente na frente do paciente… por mais absurda que você ache que tenha sido a atitude do colega, você não sabe os motivos que o levaram a tomar essa atitude, as circunstâncias… se você não concorda, melhor apenas silenciar, fale sobre a sua conduta;

12) Sempre busque facilitar a vida do paciente. Ter pacientes satisfeitos significa que o plantão vai ser “mais tranquilo”. Não é perda de tempo orientar bem o paciente, na verdade é economizar tempo de um retorno só para tirar dúvidas;

13) Paciente não sabe ler. EE agora? Existem cartelas de adesivos com figuras simples para identificar as medicações. Você também pode fazer desenhos, colar etiquetas coloridas.. estratégias não faltam. Não julgue, você não tá ali para isso;

14) Paciente não sabe o nome da medicação? Nada de ficar com raiva e culpar o paciente… você que lute! O máximo que você pode fazer é orientar sobre a necessidade dele ser um agente ativo no próprio tratamento, autorresponsabilidade;

15) Falando em ser agente ativo no tratamento, não imponha, negocie sempre. No fim das contas o paciente só vai fazer o que ele quiser. Oriente, oriente, oriente… deixe que ele escolha o caminho que quer percorrer e se mostre disponível para ajudá-lo (mesmo quando ele tomar decisões erradas.. você por acaso tem uma vida 100% saudável?);

16) Proibido preconceito linguístico! A língua portuguesa possui uma norma culta, regras gramaticais que “orientam” a comunicação. Mas será que o ambiente do consultório é apropriado para esse preciosismo? O que é mais importante: passar uma mensagem clara que não deixe dúvidas, otimizar o tempo do seu atendimento e o tempo do seu paciente garantindo que você passou todas as informações necessárias para o tratamento ou ficar usando palavras “difíceis” que não fazem parte do arsenal linguístico do paciente? O paciente está errado por não conhecer seu vocabulário médico? Não, quem precisa conhecer é você;

17) O paciente fala “peleumonia” e “raox”. E agora?

E agora nada. Você entendeu o que ele falou? Então pronto, vida que segue, você é médico, não é professor de português. Não cabe a você achar ruim e muito menos corrigir a forma que o paciente fala. Foque na sua função: corrigir (ou tentar) os problemas de SAÚDE e não de vocabulário;

18) Deixe seus problemas pessoais fora do consultório. Isso vale para qualquer ambiente de trabalho, mas na área da saúde você está literalmente lidando com a vida dos outros, não cabe deixar resquícios da sua vida privada interferirem. Se você não está bem, não esteja médico nesse dia, mas se você estiver no hospital, lembre: ali você é o médico do paciente, é sobre a vida dele, não sobre a sua, não “desconte” estresse/raiva/frustração em ninguém;

19) Um exercício fácil para melhorar o atendimento é sempre imaginar que o paciente é a sua mãe. Como você gostaria que a sua mãe fosse atendida por um médico? Então é assim que você deve atender seus pacientes. Todo mundo é o amor da vida de alguém. NUNCA ESQUEÇA ISSO!!

20) Olhe nos olhos das pessoas, olhe para a pessoa: as roupas que veste, a posição que senta, o jeito de andar, a cor e textura da pele.. esses detalhes podem ser muito úteis na hora de fazer um diagnóstico clínico-epidemiológico, além de passar segurança para o paciente que se sente notado.

Por fim, aceite que ninguém é perfeito, nem sempre a gente consegue dar o melhor de si, mas com as estratégias organizadas fica mais fácil.

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