Jornalista e doutoranda em Informação e Comunicação em Plataformas Digitais pela Universidade do Porto (PT). Autora do livro Flores nos Canteiros (A União, 2018). Interesse em temas sobre feminismo, viagens, comunicação e redes sociais. flavia.lopes.sn[a]gmail.com
Jornalista e doutoranda em Informação e Comunicação em Plataformas Digitais pela Universidade do Porto (PT). Autora do livro Flores nos Canteiros (A União, 2018). Interesse em temas sobre feminismo, viagens, comunicação e redes sociais. flavia.lopes.sn[a]gmail.com
Ser flâneur por entre as grades de Paris
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(Foto: Flávia Lopes)

Ser flâneur é passear sem preocupação, vaguear enquanto contempla a paisagem. É uma palavra francesa famosa e que se popularizou nas práticas sociais e na literatura do século XIX. O flâneur era uma personagem errante, que andava observando a vida urbana e absorvendo experiências durante o caminhar. Uma prática que era uma espécie de osmose realizada a cada passo, em que o assimilar da cultura de um local era absorvido pela simples tarefa de vaguear, levado pelo tempo fortuito da exatidão do momento da experiência. Uma prática burguesa. Afinal quem caminha tranquilamente sem preocupação, numa despretensiosa vida sem tribulações? Só gente rica e alguns sortudos de cabeça fria. Não é o meu caso.

Caminho por Paris lembrando do ato de “fleunar”. Vejo um dos monumentos mais icônicos de uma das cidades mais lendárias, através das grades. Seguro uma lágrima. Mas, inevitavelmente, cai uma gota de uma emoção ancestral de tantos dos meus que não puderam estar por aqui.

Naquele momento respirei a geografia das mais nobres referências da burguesia que decapitou gente de sangue azul, e observo a partir dessa experiência outra revolução acontecer. Escuto vozes cantando falas de um português brasileiro e do espanhol latino americano. Escuto vocábulos em chinês, persa, hindu, árabe. Escuto também um francês com o sonoro sotaque dos países africanos… vejo gente de pele preta, olho puxado, boca larga, cabelo crespo, tirando fotos, sorrindo, posando no meio da rua, na calçada, mirando o topo da Torre Eiffel, enquadrando o ponto mais alto no melhor ângulo da câmera.

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Para chamar atenção de uma turista loira de não sei de onde, um ambulante grita: “Hey Lady Gaga!”. E nessa efervescência de um mundo todo em um só lugar, embaixo de uma torre colossal, aos pés de uma aranha gigante de ferro que parece cobrir o planeta Terra, abrigando e aterrorizando ao mesmo tempo, penso: Paris não pertence mais à França. Paris é do mundo. E se uma das cidades mais icônicas do Velho Mundo não é mais puramente francesa, a Europa também não é mais só dela.

Vejo isso como um resgate ancestral. Observo esse movimento como cíclico. Se foi desejo dos antigos desbravadores abrir a cartografia mundial, ampliar mapas, dominar outras terras… é isto que hoje as antigas civilizações imperialistas agora colhem: o caminho reverso da partida das caravelas com barcos lotados de gente de outros mundos. Dessa vez para habitar, repovoar, tornar o mundo cosmopolita.

Observo tudo como uma flâneur colonizada, a partir das grades que me separam dos grandes monumentos, mas já de um lugar geográfico que um dia foi só da realeza, que já foi só da burguesia, e que hoje é de ninguém e é de todo mundo. Por entre as grades de Paris, observo as derrubadas dos muros sociais, a ocupação dos imigrantes em geografias privilegiadas. Ainda é pouco. Mas todo avanço precisa de um movimento, nem que seja um passo, dessa vez de um novo tipo de flâneur: aquele que se recoloca no mundo reivindicando sua existência caminhando livre, em qualquer canto. 

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