Anderson Pires é formado em Comunicação Social – Jornalismo pela UFPB, publicitário e cozinheiro.
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Somos 70%, mas falta juntar
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Foto: Roberto Parizotti – Fotos Públicas

Depois da última pesquisa Datafolha diversos setores da esquerda brasileira passaram a propagar a bandeira do Somos 70%. O número seria uma alusão ao percentual de pessoas que não aprovam o Governo Bolsonaro. Num exercício de acochambramento tentam converter em opinião contrária aqueles que avaliaram o Governo como regular. Mais que uma matemática burra, temos um exemplo de linguagem panfletária sem efeito.

Pela lógica de quem defende esse slogan, os presidentes FHC e Lula também teriam motivos para serem depostos do cargo, visto que a aprovação dos mesmos, em período de mandado semelhante, era praticamente a mesma de Bolsonaro hoje. Porém, nos exemplos anteriores, tivemos dois presidentes reeleitos. Lula ainda conseguiu fazer sua sucessora.

O discurso do somos todos contra Bolsonaro, mostra a falta de uma pauta que sirva como verdadeiro contraponto político e que, de alguma forma, tire o presidente do campo de debate no qual sempre fica muito confortável. A falsa dicotomia é na verdade uma forma de esconder os frangalhos que os demais agrupamentos encontram-se, sem conseguir apresentar um programa mediado e único, capaz de trazer para a discussão um projeto para o país.

O discurso do nós contra eles foi o que elegeu Bolsonaro. Quando os setores mais esquerda sustentam a bandeira de que todos que não aprovam são iguais e estão dispostos a derrubar o presidente, suscitam a pergunta: somos quem, cara pálida? Esquecem que o antagonismo ao PT foi quem sustentou o voto dos indecisos em 2018. Provavelmente, os mesmos que hoje avaliam o Governo como regular.

Não será apenas negando que vamos conseguir aglutinar uma maioria suficiente para derrubar o presidente. As sequelas decorrentes do impeachment de Dilma e o trabalho de perseguição que a Lava Jato promoveu, imputou ao PT e, consequentemente a esquerda, a pecha de corruptos e destruidores da nação. Isso ainda está latente.

Pior, se lembrarmos que setores que fazem oposição a Bolsonaro, a exemplo do PDT de Ciro Gomes, conseguem fazer um discurso ainda mais duro contra Lula, lhe atribuindo crimes e até a responsabilidade pela ascensão ao poder de um governo fascista. Levantar o discurso vazio do Somos 70% é brincar com a inteligência alheia e acreditar que será com animação de torcida que se conseguirá mudar o atual cenário.

Incorrem em dois erros. Primeiro, mostram total incapacidade de formulação e articulação de uma frente (muito) ampla que produza aliança segura para a disputa eleitoral. Segundo: ressuscitam o antagonismo que foi responsável pela derrota em 2018.

A pauta unificadora está longe de ser construída. Isso é um problema grave. Ainda mais sério, quando notamos que não existe responsabilidade nesse sentido. Fica a pergunta, por que alguém que avalia o Governo Bolsonaro como regular, votaria contra ele numa próxima eleição? Essa resposta precisa existir. Acreditar que será a partir de slogan pueril e que não é crível, parece brincar de militância. O máximo que teremos serão alguns momentos de lazer político, mas sem nenhuma responsabilidade estratégica.

Confesso que me cansa ser convidado para fazer coro em frentes tão vazias. Não acredito que grupos que negam uma análise mais apurada da conjuntura e do comportamento da sociedade, tenha compromisso real com a mudança. A imagem que me vem é de um conjunto de pessoas em catarse, gritando repetidamente uns para os outros: somos 70%. Saem em êxtase e acreditam piamente que aquilo é verdade. Quase uma sessão alucinógena.

Não será com manipulações de pesquisas que se conseguirá construir uma maioria que produza resultado eleitoral favorável. Tirar Bolsonaro e espantar o fantasma do fascismo devem ser os fatores de unidade, mas isso não será conseguido com panfletos. Os trinta e três por cento que aprovam o Governo têm algo que os unifica: uma pauta conservadora, sem qualquer pudor em promover um Estado Liberal.

Porém, quem qualifica Bolsonaro como regular, busca razões objetivas para não votar nele novamente. O negar por negar alimenta o maniqueísmo. Nesse campo, o presidente e sua tropa são mestres. É preciso bem mais para ter os 50% que garantam a retomada democrática. Depois, cada um pode levantar sua bandeira.

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