Médica pela UFCG. Medicina Baseada em Evidência. Atendimento Humanizado. Defensora do SUS. Feminista. Instagram: @priscilawerton.
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Violenta(da)s
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(Foto: Autorretrato)

Notícias da semana (em março, mês da mulher):

“Jovem assassinada durante encontro amoroso”

“Mãe e filha estupradas em invasão de casa”

“Importunação sexual em transportes públicos” 

Como é triste ser mulher. Há alguns dias, um jornal do estado publicou uma matéria sobre mim em homenagem ao Dia Internacional da Mulher. Nela eu falava sobre as dificuldades de desenvolver uma pesquisa sendo mulher. Ao mesmo tempo em que essa matéria foi publicada, um bandido, assassino, perigoso, ou um “jovem”, como alguns veículos midiáticos gostam de tratar homens brancos, classe média alta quando cometem crimes, assassinou uma estudante de medicina que estava em um encontro amoroso com ele. Esse fato me fez sentir tola por estar discutindo as dificuldades que uma pesquisadora enfrenta, enquanto ainda precisamos falar sobre a dificuldade que é existir, sobreviver nessa sociedade machista falocêntrica em que vivemos (e não me refiro só à Paraíba ou ao Brasil, apesar desse texto se ambientar na Paraíba). 

A coluna dessa semana não era sobre isso, eu não queria ter que falar sobre isso, queria tanto que feminicídio fosse um assunto ultrapassado e que ninguém precisasse falar sobre porque não acontece mais. A moça morreu. Da área médica, como eu, uma moça comum, como eu, que conhece pessoas pela internet, como eu, que estava vivendo sua vida em paz, como eu. Tantas pessoas, minha rede social da vida real tem em comum com ela, senti como se tivesse sido eu e assistisse aos noticiários da minha própria morte. Não consigo me aprofundar nesse assunto agora, há dias me sinto mal, talvez um dia eu fale mais sobre. Agora eu só me sinto enojada pela cultura do machismo que mata mulheres.

Tentei reunir aqui informações importantes para quem quer buscar conhecimento sobre a violência contra a mulher na Paraíba e para quem precisa de ajuda.

De acordo com o art. 5º da Lei Maria da Penha, violência doméstica e familiar contra a mulher é “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”. No entanto, essa violência só é considerada doméstica se ocorrer, independente da orientação sexual:

  • no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
  • no âmbito da família, com indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
  • em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Conforme a lei, a violência doméstica contra a mulher pode ser dividida em cinco características:

  • Violência física: qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal.
  • Violência psicológica: qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação.
  • Violência sexual: qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos.
  • Violência patrimonial: qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades.
  • Violência moral: qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

Na Paraíba não existe um sistema atualizado com informações constantes dos índices de violência contra a mulher, para ter acesso a esses dados é preciso fazer uma solicitação à Secretaria de Estado de Segurança e Defesa Social ou através dos portais de credibilidade do estado, de onde retirei informações para esse texto e deixo os links no final da matéria. Duas mulheres foram assassinadas no mês de janeiro de 2022 na Paraíba. Um dos casos está sendo investigado como feminicídio. Um total de 83 mulheres foram mortas, vítimas de crimes letais intencionais, na Paraíba, de janeiro a dezembro do ano passado. Desse total, 30 casos estão sendo investigados como feminicídio. O número representa um percentual de 36% no número de feminicídios com relação aos assassinatos de mulheres e uma média de duas mulheres assassinadas a cada mês de 2021 por questões de gênero. O mês de agosto foi o que teve o maior número de mulheres mortas por feminicídio em 2021. Isso as registradas. Some a isso o medo de denunciar, as subnotificações e teremos um cenário bem pior.

Clique aqui para ler todos os textos de Priscila Werton 

Sobre a jovem assassinada, em nada foi culpa dela. Não é pela roupa que usa, pelo comportamento, por conhecer pessoas na internet, por ir para a casa de um estranho no primeiro encontro. Nenhuma mulher deveria ter que investigar passado criminal de homem nenhum. Matar uma mulher não deveria ser uma “opção”, possibilidade palpável. Não dá para aceitar isso. 

Nesse caso a ficha criminal do assassino teria ajudado, já havia 10 acusações de violência doméstica contra ele. Não me conformo que ele estava solto, livre para cometer a 11ª violência, que de fato o fez, só que dessa vez terminando em assassinato. A polícia investiga ainda se houve estupro. Mesmo que as mulheres pesquisem antecedentes criminais de homens, isso não é garantia de nada. Sempre existe a primeira violência, a primeira acusação. O que protege as mulheres é a Lei, a certeza de punição severa, a exposição do sujeito na mídia, a convivência em sociedade do indivíduo suspensa.

Os aplicativos poderiam ajudar criando formas de rastrear o passado criminal das pessoas, bani-las, bloqueá-las, restringi-las. Deveria existir um app de indicações, onde amigos, ex-namoradas, parentes pudessem comentar sobre a pessoa indicando-a ou não. 

Acesso a antecedentes criminais deveria ser mais veiculado na mídia, quem sabe um boletim mensal nos jornais com nomes e rostos de homens acusados de violência contra a mulher? Uma mulher deveria ter o direito de ir para o apartamento de um homem desconhecido no primeiro encontro se ela quiser. Deveria ter direito a conhecer rapazes em qualquer aplicativo que ela queira na internet. A violência contra uma mulher em nada é culpa dela. 

A culpa é exclusivamente do agressor. Ele escolheu agredir, ele tomou essa atitude baseada em sua própria consciência. Será que se houvessem punições mais duras, ainda seria tão comum o feminicídio? Será que se agressores fossem abertamente expostos na sociedade, eles não pensariam duas vezes antes de agredir uma mulher? Qual a lógica de agredir uma pessoa que não tem como se defender? Pergunte a um homem. Covardia! Covardia! Covardia!

Feminismo é equidade social, é civilidade. Machismo é violência, é morte. Não entendo como as mulheres feministas são chamadas de violentas, se são os homens que agridem e matam mulheres apoiados pela cultura do machismo. Por que as feministas são loucas se tudo que queremos é paz e respeito? Não me lembro de ter visto alguma notícia de uma mulher que matou um homem só porque ele é homem, só porque ela tinha a opção de matar já que ele estava indefeso ou vulnerável. Não me lembro de ter visto notícias em que uma mulher matou um homem porque ele estava sem camisa na rua. Então quem são os loucos, surtados, violentos, agressivos de fato são os homens machistas. As feministas são só vítimas de gaslighting (manipulação psicológica com o intuito de fazer a mulher duvidar de sua capacidade intelectual e de sua sanidade mental para desmerecê-la; abuso psicológico).

Quando a gente é acusada de ser violenta, geralmente é porque estamos contrariando ideias de um homem, contra-argumentando, mostrando provas de que ele está errado. Até mesmo gritando e gesticulando! Essa é a grande violência terrível que faz com que feministas tenham fama de mulheres feias e agressivas. Homens agressivos são abusadores e assassinos, se forem negros e pobres são “bandidos”, “traficantes”, “marginais”; se forem brancos, classe média alta, padrão, são “jovens”, “homem”, para a mídia. Podridão de sociedade que unifica: machismo, racismo, aporofobia. Tudo fruto de um conservadorismo maleficente, do falocentrismo patriarcal, da valorização do homem branco. Até que machismo (com feminicídio e violência doméstica) não é tão diferente assim do nazismo. E é por isso que falei na entrevista ao jornal, que o ambiente acadêmico reflete a vida: os privilegiados são os homens, as mulheres não ocupam cargos de liderança, se esforçam para galgar um lugar de destaque na academia. As dificuldades acadêmicas são versões diferentes do mesmo problema que mata as mulheres.

Feminismo não mata pessoas. Machismo mata.

EU NÃO QUERO TER QUE ESCOLHER MINHA ROUPA PELO MEDO DE SER AGREDIDA!!!!!!! 

EU NÃO QUERO NÃO PODER CONHECER PESSOAS NA INTERNET PORQUE TENHO MEDO DE SER ASSASSINADA!!!!!!! 

EU NÃO QUERO ME PRIVAR DE VIVER POR MEDO!!!!!!! 

A CULPA NÃO É NOSSA. A CULPA DA AGRESSÃO É SEMPRE DO AGRESSOR!!!!!!! 

Sempre há a opção de não agredir. Se odeia, se tem raiva, se discorda, se está revoltado… se afaste, se mude, viaje, esfrie a cabeça.

NADA, NADA, NADA JUSTIFICA FEMINICÍDIO!!!!!!

ESCREVO ESSE TEXTO PROFUNDAMENTE TRISTE. QUE FIQUE REGISTRADA TODA A MINHA INDIGNAÇÃO.

Portais para denúncia: 

www.delegaciaonline.pb.gov.br (solicitação de B.O. e de medida protetiva nos casos de ameaça, injúria, calúnia e difamação)  

190 em casos de emergência (Polícia Militar)

197 em casos de denúncia anônima (Polícia Civil)

Links que serviram de base para esse texto: 

https://g1.globo.com/google/amp/pb/paraiba/noticia/2021/05/02/em-media-10-mulheres-sao-vitimas-de-violencia-domestica-por-dia-na-paraiba.ghtml

https://g1.globo.com/google/amp/pb/paraiba/noticia/2022/02/28/metade-dos-assassinatos-de-mulheres-em-janeiro-de-2022-sao-investigados-como-feminicidio-na-pb.ghtml

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