As primeiras imagens do longa Dark Horse, produção que retrata a trajetória de Jair Bolsonaro desde o atentado sofrido durante a campanha presidencial de 2018 em Juiz de Fora (MG), começaram a circular nas redes sociais nas últimas semanas, compartilhadas por políticos bolsonaristas e apoiadores do ex-presidente. No enredo, Bolsonaro, gravemente ferido após levar uma facada, recapitula sua vida no leito de hospital, sobrevive ao ataque e é eleito presidente do Brasil.

As filmagens foram concluídas em dezembro, em São Paulo, e o filme agora está em fase de edição nos Estados Unidos. O diretor Cyrus Nowrasteh, em entrevista à BBC News Brasil, indicou que o lançamento está previsto para 2026, ano das eleições presidenciais no Brasil. O deputado federal Mário Frias (PL-SP), ex-secretário de Cultura do governo Bolsonaro e principal idealizador do projeto, descreve a obra como um thriller de “baixíssimo orçamento” para padrões americanos e interpreta um médico no filme.
Frias revela que a ideia surgiu dos ensinamentos de Olavo de Carvalho, ideólogo da nova direita brasileira, morto em 2022. “Eu tinha visto um vídeo em que Olavo de Carvalho falava de guerra cultural e achei isso fantástico porque não via na boca das pessoas que representavam a direita. Eu via as pessoas de direita muito na questão de segurança e economia”, disse Frias em entrevista ao canal Conversa Timeline. O deputado conta que o projeto nasceu em 2022, após sofrer um infarto e enfrentar depressão, como forma de agradecer o papel de Bolsonaro em sua vida.
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O sociólogo Marco Dias, professor da Universidade Federal de Sergipe e pesquisador sobre guerra cultural, explica que o filme reflete a visão de novas direitas globais de que a cultura atual está “em crise”. “Mas o bloco da direita se coloca como guerreiro cultural, querendo transformar essa cultura ou, numa forma reacionária, voltar para algum momento da história em que eles achavam que as coisas eram mais simples”, afirma Dias.
O diretor Cyrus Nowrasteh, cineasta americano de origem iraniana, tem histórico de produções com forte apelo cristão e político. Seu filme mais conhecido, O Apedrejamento de Soraya M., aborda extremismo religioso e recebeu reconhecimento no Festival Internacional de Cinema de Toronto. Nowrasteh disse à BBC que “sentiu que havia muitas perguntas sem resposta” sobre o atentado a Bolsonaro e que o filme “ajudará a iluminar muito do que está acontecendo no Brasil hoje — e no mundo”.
O ator escolhido para interpretar Bolsonaro é Jim Caviezel, conhecido por viver Jesus em A Paixão de Cristo (2004), de Mel Gibson. Caviezel, católico praticante e apoiador declarado de Donald Trump, tem focado em papéis alinhados a temas religiosos e conservadores. Seu filme mais recente de destaque, O Som da Liberdade (2023), mobilizou evangélicos e bolsonaristas para liderar bilheterias no Brasil e no mundo. A produção narra a luta contra o tráfico sexual infantil e foi associada por críticos ao movimento QAnon, embora a produtora tenha negado. Frias afirma que Caviezel foi “o único a aceitar fazer um papel polêmico como esse” e que, “se as coisas fossem justas, era coisa para Oscar”.
A produção é realizada pela Go Up Entertainment, de Karina Ferreira da Gama, que alugou o Memorial da América Latina por R$ 126 mil para as gravações. Gama é presidente da Academia Nacional de Cultura (ANC), que recebeu R$ 2,6 milhões via emendas parlamentares de deputados do PL para uma série sobre “heróis nacionais”. Ela também é sócia do Instituto Conhecer Brasil, que obteve mais de R$ 100 milhões da prefeitura de São Paulo para fornecer Wi-Fi em comunidades de baixa renda e recebeu em 2025 duas emendas de R$ 1 milhão cada do deputado Mário Frias.
Frias afirma que o filme não usa verba pública nem leis como a Rouanet, citando apoio da SPCine e do governo de São Paulo. A prefeitura e o governo estadual negaram qualquer apoio financeiro à produção. A SPCine informou que apenas autorizou as gravações após análise técnica, seguindo o trâmite padrão.
Para o sociólogo Marco Dias, Dark Horse representa a tentativa da direita brasileira de se inserir em um ecossistema global de cinema conservador, especialmente o cristão americano. “É um projeto que provavelmente vai ter visibilidade, com a construção de Bolsonaro como alguém perseguido — e talvez tenha um mercado bem grande dentro desses grupos da nova direita global”.
Com informações da BBC.