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Epidemia de solidão: OMS alerta para crise global de saúde pública
Termômetro da Política
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A solidão, outrora vista como uma questão pessoal, foi elevada ao status de epidemia global pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que a considera uma ameaça premente à saúde pública. Estudos recentes reforçam a gravidade do problema. A OMS compara os efeitos da solidão ao hábito de fumar 15 cigarros por dia, com impactos que incluem um risco 50% maior de demência, 30% maior de doenças cardiovasculares, como AVC e infarto, e 25% maior de mortalidade. No Brasil, a situação é alarmante: uma pesquisa de 2021 da Ipsos apontou o país como líder em sensação de solidão entre 28 nações, com 36% dos entrevistados relatando o problema.

Governo vai oferecer incentivo financeiro a estados e municípios que queiram ampliar o atendimento local a crianças e adolescentes diagnosticados com ansiedade ou depressão (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Em novembro de 2023, a OMS criou a Comissão Internacional para Conexão Social, com o objetivo de enfrentar, nos próximos três anos, um problema que afeta milhões de pessoas e está associado a graves impactos na saúde física e mental. Segundo a organização, cerca de 25% dos idosos e entre 5% e 15% dos adolescentes em todo o mundo sofrem com isolamento social, números que refletem uma crise agravada pela pandemia de Covid-19 e pelo estilo de vida contemporâneo. Em 2022, um estudo do Instituto Gallup revelou que apenas 53% dos brasileiros acima de 15 anos se sentiam conectados a outras pessoas, o menor índice entre 10 países pesquisados.

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“As elevadas taxas de isolamento social e de solidão em todo o mundo têm consequências graves para a saúde e o bem-estar. As pessoas sem ligações sociais suficientemente fortes correm um maior risco de sofrer um acidente vascular cerebral, ansiedade, demência, depressão, suicídio e muito mais”, alertou Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS, em entrevista coletiva. Ele destacou que a iniciativa é “a primeira global para combater a epidemia da solidão”, visando estabelecer a conexão social como prioridade de saúde e compartilhar intervenções promissoras.

Cirurgião-geral nos Estados Unidos e co-presidente da comissão da OMS, Vivek Murthy enfatizou a urgência de ações: “Temos a obrigação de investir na reconstrução do tecido social da mesma forma que temos feito para enfrentar outros problemas de saúde globais, como o consumo de tabaco, obesidade e a crise do vício”. Murthy, que tem abordado o tema há anos, destacou que “a desconexão social tornou-se agora um fator-chave da crise mais ampla de saúde mental que vemos neste mundo”, afetando cerca de um bilhão de pessoas, sendo um quarto delas adolescentes.

A pandemia de Covid-19 intensificou o isolamento, mas especialistas apontam que a crise começou antes, impulsionada por fatores como o individualismo, a tecnologia e as redes sociais. Sheila Liming, escritora e professora, afirmou em entrevista à BBC que a crise de solidão nos EUA está ligada à “incapacidade de sair para se divertir ou de se encontrar com outras pessoas”. Para ela, a falta de tempo para interações sociais e a percepção de que essas atividades são uma “perda de tempo” agravam o problema. No Brasil, a psicóloga Vanessa Teixeira observa um “aumento significativo da sensação de solidão” em sua clínica, associado à “impaciência com as diferenças e o tempo do outro” e ao trauma da pandemia, que ainda não foi devidamente processado, disse em entrevista ao portal O Tempo.

A tecnologia, embora conecte digitalmente, muitas vezes aprofunda o isolamento. “As redes sociais acabam funcionando como um veículo para a projeção de um eu idealizado”, explica a psicóloga Anne Crunfli. “Isso pode levar a uma sensação de desconexão entre o eu real e o eu projetado, contribuindo para a solidão.” Um estudo da Universidade Baylor, no Texas, publicado em 2025, revelou que tanto o uso ativo quanto passivo das redes sociais está associado a sentimentos crescentes de solidão ao longo do tempo. “Pessoas solitárias recorrem à mídia social para abordar seus sentimentos, mas é possível que tal uso apenas alimente as chamas da solidão”, afirmou o pesquisador James A. Roberts.

Iniciativas para combater a epidemia já surgem globalmente. No Reino Unido, que criou um Ministério da Solidão em 2018, e em Nova York, com a nomeação da terapeuta Ruth Westheimer como embaixadora da solidão em 2023, políticas públicas buscam promover conexões. Na Coreia do Sul, jovens que participam de atividades sociais recebem incentivos financeiros de US$ 500 mensais. No Brasil, startups como a Rhanii capacitam acompanhantes para idosos, enquanto o clube Vida Criativa oferece atividades que estimulam o bem-estar de pessoas acima de 60 anos.

“A solidão é inerente ao ser humano, mas ela se acentua quando a pessoa não encontra no seu contexto nada significativo ou pessoas que reflitam seus valores”, explicou a geriatra Maysa Seabra Cendoroglo, do Hospital Einstein, em entrevista à CNN Brasil. “Quanto mais interações sociais, menos solidão. Quanto mais a pessoa se arrisca, maior a chance de encontrar afinidades e de se sentir acolhido”, completou. A OMS reforça que reconstruir o tecido social é essencial, e a comissão planeja publicar um relatório em 2025 com estratégias para enfrentar essa crise global.

Enquanto o mundo busca soluções, a mensagem é clara: a solidão não é apenas uma questão individual, mas um desafio coletivo que exige ação urgente. Promover conexões significativas, equilibrar o uso da tecnologia e investir em políticas públicas são passos cruciais para reparar o tecido social e melhorar a saúde global.

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