Nos últimos meses, um fenômeno digital conhecido como “Tralalero Tralala” tem dominado as redes sociais, especialmente entre crianças e adolescentes. Este meme, parte da tendência chamada “Italian Brainrot“, mistura imagens surreais geradas por inteligência artificial (IA), como um tubarão com tênis Nike ou um crocodilo em formato de avião, com narrações em um italiano caricatural e sons repetitivos. Apesar do caráter aparentemente inofensivo e humorístico, especialistas alertam para os riscos que o consumo excessivo desse tipo de conteúdo, conhecido como “brain rot” (ou “apodrecimento cerebral”), pode trazer ao desenvolvimento cognitivo e emocional de jovens.
“Tralalero Tralala” é um meme que explodiu no TikTok no início de 2025, caracterizado por um tubarão antropomórfico de três pernas usando tênis Nike, acompanhado por frases desconexas como “Tralalero Tralala, porco Dio e porco Allah”. A expressão, que não tem significado literal, deriva de onomatopeias reminiscentes de cânticos folclóricos da região da Ligúria, na Itália, mas foi adaptada para criar um efeito cômico e absurdo. Outros personagens, como o “Bombardino Crocodilo” (um crocodilo-avião) e a “Ballerina Cappuccina” (uma bailarina com uma xícara de cappuccino como cabeça), também fazem parte dessa onda de memes gerados por IA, que se espalharam por plataformas como Instagram e YouTube.
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Segundo dados do Google, as buscas por “Tralalero Tralala” cresceram 350% no Brasil, atraindo a atenção de pessoas em cerca de 80 países. A popularidade do meme se deve à sua estética caótica e ao humor nonsense, que ressoa especialmente com as gerações Z e Alpha. No entanto, o que parece ser apenas uma brincadeira digital esconde potenciais riscos.
O termo “brain rot“, eleito a palavra do ano de 2024 pela Oxford University Press, descreve a deterioração mental causada pelo consumo excessivo de conteúdos triviais e pouco desafiadores nas redes sociais. Esses conteúdos, como os vídeos de “Tralalero Tralala”, são projetados para capturar a atenção rapidamente, oferecendo doses instantâneas de dopamina, o neurotransmissor associado ao prazer. Em entrevista ao portal Heloisa Tolipan, a neuropsicóloga Gleyna Lemos explica que a exposição prolongada a esses vídeos pode prejudicar funções executivas, como atenção, memória de trabalho e controle de impulsos, especialmente em crianças e adolescentes, cujos cérebros ainda estão em desenvolvimento.
“Esses conteúdos ativam mecanismos de recompensa instantânea, levando a uma busca constante por estímulos mais intensos. Com o tempo, o cérebro pode evitar atividades que exigem esforço, como leitura ou resolução de problemas complexos, o que compromete o pensamento crítico e a autonomia na tomada de decisões”, alerta Lemos. Estudos da American Psychological Association reforçam que esse padrão de consumo pode reduzir a capacidade de processamento de informações e dificultar a formação de conexões neurais profundas.
O impacto do “brain rot” é particularmente preocupante para jovens, cuja plasticidade cerebral os torna mais suscetíveis a mudanças induzidas por estímulos digitais. A pediatra Renata Cafardo, em artigo publicado no Estadão, destaca que os vídeos de “Tralalero Tralala” e similares, embora pareçam inofensivos, podem se tornar viciantes. “Quanto mais tempo exposto, maior o risco de desenvolver dependência e sintomas como ansiedade e tristeza quando afastado desses conteúdos”, explica.
Além disso, a natureza aparentemente inocente desses memes está mudando. Inicialmente focados em humor absurdo, alguns vídeos começaram a incorporar temas inadequados, como funk com conotação sexual, imagens de violência ou referências religiosas ofensivas, como as menções a “porco Dio” e “porco Allah”. Essas evoluções levantam preocupações adicionais, especialmente em contextos culturais sensíveis. Em um fórum no Reddit, um pai de uma cidade pequena na Sicília expressou temor de que seu filho de 11 anos, obcecado por “Tralalero Tralala”, pudesse repetir essas frases em locais inapropriados, gerando conflitos.
Outra questão é a comercialização desses memes. Personagens como o tubarão de tênis já viraram brinquedos de plástico, ampliando seu alcance para crianças mais novas. Isso reforça a necessidade de monitoramento parental, já que o apelo visual e sonoro pode atrair até mesmo os menores, que ainda não têm maturidade para filtrar conteúdos inadequados.
Especialistas recomendam que pais e responsáveis mantenham um diálogo aberto com os filhos sobre o que consomem online. Ferramentas de controle parental, como o emparejamento familiar no TikTok, podem ajudar a limitar a exposição a conteúdos problemáticos. A psicóloga Gleyna Lemos sugere estabelecer limites de tempo de tela e incentivar atividades offline, como esportes, leitura ou brincadeiras que estimulem a criatividade. “É crucial ensinar as crianças a tolerar o tédio e a se engajar em tarefas que exigem esforço mental”, afirma.
Apesar dos riscos, nem tudo é negativo. Alguns especialistas apontam que o humor absurdo dos memes pode oferecer alívio momentâneo do estresse, desde que consumido com moderação. O desafio é encontrar um equilíbrio para que o entretenimento digital não comprometa o desenvolvimento saudável.
O fenômeno “Tralalero Tralala” e o “Italian Brainrot” ilustram como a internet pode transformar ideias absurdas em tendências globais. Embora esses memes sejam divertidos para muitos, seu impacto no desenvolvimento cognitivo e emocional de crianças e adolescentes não pode ser ignorado. Com a orientação adequada e o monitoramento parental, é possível aproveitar o lado criativo desses conteúdos sem cair na armadilha do “brain rot”. A saúde mental das novas gerações depende de um consumo consciente e equilibrado do vasto universo digital.