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iFood implementa mudanças, mas entidades de entregadores apontam armadilha para prender o trabalhador
Termômetro da Política
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O alerta sonoro do smartphone anuncia mais um pedido de comida para entrega. Esse som se mistura ao ronco do motor da motocicleta, às buzinas e ao vento que corta os intermináveis congestionamentos das avenidas do Recife, em Pernambuco. Entre entregas e o desafio do trânsito caótico, Rodrigo Lopes Correia, entregador do iFood, passa mais de 10 horas por dia sentindo o aroma das refeições que transporta, enquanto tenta garantir o sustento dos dois filhos adolescentes. Aos 35 anos, ele já se envolveu em seis acidentes com sua moto.

Representantes dos entregadores demonstraram insatisfação com as medidas, argumentando que não atendem às principais demandas da categoria (Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil)

Rodrigo integra o grupo de mais de 400 mil trabalhadores cadastrados no iFood, que juntos realizam mais de 120 milhões de entregas mensais. Recentemente, a empresa divulgou um conjunto de iniciativas voltadas aos entregadores, incluindo bônus por produtividade, opção de selecionar destinos preferenciais e antecipação de pagamentos. A plataforma afirma que essas vantagens são exclusivas para os “profissionais mais ativos no aplicativo”.

Johnny Borges, diretor de impacto social do iFood, declarou que o programa “Super Entregadores” tem como objetivo recompensar os “melhores desempenhos na operação”, com possibilidade de ganhos até 30% acima da média. Segundo ele, os bônus anuais podem alcançar R$ 3 mil. Borges destacou ainda que o rendimento médio bruto por hora na plataforma em 2024 ficou em R$ 28.

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Apesar das novidades anunciadas, representantes dos entregadores demonstraram insatisfação com as medidas, argumentando que não atendem às principais demandas da categoria.

“Hoje, o entregador recebe semanalmente, toda quarta-feira. Agora, ele vai decidir o momento que ele quer receber o pagamento (…) Ele ganhou hoje e pode receber hoje”, afirmou o diretor. A respeito do programa de bônus, “o objetivo é valorizar os entregadores mais engajados na plataforma”.

Ele afirma que 90% dos entregadores trabalham em torno de 20 horas semanais. “Mas existe um grupo que é dedicado e que está exclusivamente na plataforma”. O diretor salienta que o entregador de moto ou carro recebe, no mínimo, R$ 7,50 pelo serviço. Quem está de bicicleta, R$ 7.

Remuneração

Rodrigo, que é morador de Olinda, esperava que a remuneração fosse “mais justa”. Além de entregador, ele é presidente do Sindicato dos Trabalhadores, Empregados e Autônomos de Moto e Bicicleta por Aplicativo do Estado de Pernambuco (Seambape), entidade com 3 mil profissionais cadastrados.

“Tirando os custos que eu tenho todo mês, fico com R$ 1,5 mil”, conta Rodrigo, que trabalha com entrega de alimentos há cinco anos.

Antes, ganhou a vida como gari, mas quis encontrar outros “corres” que fizessem sobrar “um qualquer” no final do mês. “Consegui tirar minha habilitação, comprei minha moto e comecei a trabalhar com entregas de alimentos por aplicativo. É o que tem”. Rodrigo acredita que as melhorias anunciadas pelo iFood se devem à mobilização dos trabalhadores que atuam para a empresa.

Armadilha

Pensa assim também o presidente da Associação dos Motofretistas Autônomos e Entregadores do Distrito Federal, Alessandro Sorriso, de 32 anos, e que atua na atividade desde 2016. Mas ele avalia que o pacote do iFood ficou aquém do que a categoria esperava. Para o dirigente sindical, os benefícios buscam “prender” o trabalhador em uma única plataforma. 

“Eles estão vendo a concorrência vir em peso, e eles querem, de alguma forma, segurar os motoboys”.

Para o profissional, o programa de bônus vai fazer com que os trabalhadores não possam recusar entregas, e será necessário trabalhar aos finais de semana e feriados para cumprir as metas, o que pode representar uma “armadilha”.

“Estão prometendo 30% a mais nos ganhos, mas vão ter que trabalhar longos períodos”. 

Efeito da greve

A respeito da antecipação dos pagamentos, ele diz que essa era, de fato, uma demanda de uma boa parte da categoria, visto que entregadores iniciavam a semana sem dinheiro para colocar gasolina na moto. 

Alessandro Sorriso avalia que o atendimento das reivindicações tem relação com o movimento grevista realizado nos dias 31 de março e 1º de abril deste ano.

“O iFood foi o único que noticiou que iria reajustar os valores. Mas, na prática, a gente não sentiu esse reajuste”. No DF, há pelo menos 400 motoboys associados. Alessandro trabalha diariamente das 7h às 22h.

“Não é empreendedorismo”

O professor de direito Antônio Sérgio Escrivão Filho, da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB), considera fundamental observar que a atividade de entregador de aplicativo deve ser compreendida na relação trabalhista entre empregado e empresa, em jornadas extensas, e não como empreendedorismo. 

“Os entregadores, por exemplo, ou qualquer outro trabalhador digital, têm a oferecer a sua mão de obra. O discurso vem tentando incutir essa aparência, como se o entregador fosse um empreendedor”. 

O pesquisador da UnB ressalta que, na verdade, as relações mostram jornadas extensivas, sem a possibilidade de interferir nas regras do contrato, de definir o valor da sua remuneração ou de discutir eventuais sanções contratuais que são impostas unilateralmente. 

“Os entregadores não têm a possibilidade sequer de conhecer as regras que montam os algoritmos que formulam a equação da remuneração. Ao que tudo indica, são realmente trabalhadores subordinados. E essa é a lógica da relação de emprego”, afirmou Antônio Sérgio Escrivão Filho. O pesquisador enxerga que os trabalhadores têm cada vez mais reconhecido que é necessário lutar por direitos.  

Sem direitos

O professor de direito trabalhista reitera que são trabalhadores sem férias remuneradas e que, em geral, não contribuem para a previdência social, para um dia se aposentarem. Além disso, são submetidos aos riscos do elevado índice de acidentes de motocicletas. “A figura é de um profissional precarizado que trabalha de uma maneira subordinada, porque só responde a demandas”, aponta. 

Em relação aos riscos nas ruas, o diretor do iFood, Johnny Borges, defende que a empresa  tem um programa para prevenir acidentes com conscientização e monitoramento da velocidade dos profissionais. 

“A gente trabalha para que todo acidente seja evitável”. Outra ponderação do executivo é que a empresa tem o “melhor seguro para a categoria”, tanto para incapacitação para o serviço como morte. “Nesse caso, a família irá receber R$ 120 mil. É o maior seguro que se tem na categoria”, garante. 

A família de Vanderson Amorim, de 32 anos, que trabalha de bicicleta motorizada no Distrito Federal, fica “muito preocupada” com a rotina dele nas ruas. Mas ele diz que hoje a situação é melhor do que antes, quando era funcionário formal de uma padaria, da qual foi demitido. 

“Eu vi que é possível ganhar R$ 800 em uma semana. Antes, eu ganhava um salário mínimo, e sem direito a comer nada das vitrines”, recorda.

Fonte: Agência Brasil

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