Uma condição pulmonar grave e sem cura, conhecida como “pulmão de pipoca” ou bronquiolite obliterante, tem reacendido debates sobre os riscos do uso de cigarros eletrônicos, popularmente chamados de vapes. A doença, que danifica permanentemente as pequenas vias aéreas dos pulmões, foi associada à inalação de substâncias químicas presentes nos líquidos vaporizados, especialmente entre adolescentes e jovens adultos. Casos recentes, como o de uma líder de torcida de 17 anos nos Estados Unidos, expõem a gravidade do problema e levantam alertas sobre a necessidade de regulamentação e conscientização.
O termo “pulmão de pipoca” surgiu no início dos anos 2000, quando trabalhadores de fábricas de pipoca de micro-ondas nos Estados Unidos desenvolveram problemas pulmonares após inalar diacetil, uma substância química usada para conferir sabor amanteigado ao produto. O diacetil, seguro quando ingerido, torna-se tóxico ao ser inalado em forma de aerossol, causando inflamação e cicatrização nos bronquíolos, os menores ramos dos pulmões. Essa cicatrização obstrui a passagem do ar, resultando em sintomas como tosse persistente, chiado no peito, fadiga e falta de ar.
Leia também
Terremoto e tsunami: estudo aponta iminente risco na Costa Oeste dos EUA
Embora inicialmente associada às fábricas, a bronquiolite obliterante ganhou atenção recente devido à sua ligação com o vaping. Um estudo publicado em 2019 no Canadian Medical Association Journal relatou o caso de um adolescente canadense de 17 anos que desenvolveu a doença após cinco meses de uso intenso de vape, incluindo líquidos com sabores e tetrahidrocanabinol (THC). Desde então, outros casos têm sido documentados, reforçando a conexão com cigarros eletrônicos.
Em abril de 2025, a história de Brianne Cullen, uma líder de torcida de 17 anos de Nevada, EUA, trouxe o problema à tona. Brianne foi diagnosticada com bronquiolite obliterante após três anos usando vape em segredo, iniciado aos 14 anos para lidar com a ansiedade pós-isolamento da pandemia. Segundo relato ao site People, a jovem passou mal durante um treino, com dificuldade para respirar, o que a levou ao hospital. Exames confirmaram danos irreversíveis nos pulmões, e ela agora depende de inaladores e acompanhamento médico constante. “É assustador pensar que algo tão comum entre adolescentes pode causar tanto estrago”, disse Christine Martin, mãe de Brianne, ao mesmo veículo.
O caso de Brianne não é isolado. Em 2023, Abby Flynn, uma britânica de 20 anos, foi internada com “pulmão de pipoca” após viciar-se em vapes, consumindo o equivalente a 140 cigarros por semana. “Luto para respirar todos os dias”, lamentou Abby ao Metrópoles. No Reino Unido, o diacetil foi banido de líquidos de vape em 2016, mas seus substitutos, como acetoína e 2,3-pentanodiona, também podem ser prejudiciais.
O diacetil não é o único vilão. Estudos apontam que os vapores de cigarros eletrônicos contêm uma variedade de compostos tóxicos, como formaldeído, acetaldeído, acroleína e metais pesados, que irritam e danificam os tecidos pulmonares. Uma revisão publicada na Annals of the American Thoracic Society destacou que esses vapores podem causar inflamação, danos aos alvéolos e aumentar o risco de condições respiratórias crônicas, como bronquite e doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC).
Além disso, a crise de EVALI (Lesão Pulmonar Associada ao Uso de Cigarros Eletrônicos) em 2019, nos EUA, evidenciou os perigos do vaping. O surto, ligado ao acetato de vitamina E em vapes de cannabis, resultou em 2.807 hospitalizações e 68 mortes até fevereiro de 2020, segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC). Embora a EVALI seja distinta da bronquiolite obliterante, ambos os quadros reforçam os riscos da inalação de substâncias não testadas para uso pulmonar.
A popularidade dos vapes entre jovens preocupa especialistas. Um estudo de 2024 da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) indicou aumento no uso de cigarros eletrônicos por adolescentes em países com regulamentação frouxa. Sabores atrativos, como frutas e doces, e a percepção de menor risco em comparação com cigarros tradicionais contribuem para o problema. No Brasil, a venda de vapes é proibida pela Anvisa desde 2009, mas o comércio ilegal persiste, dificultando o controle.
A bronquiolite obliterante é irreversível. Não há cura, e o tratamento foca em aliviar sintomas com broncodilatadores, corticosteroides e, em casos extremos, transplante de pulmão. “O prognóstico depende da detecção precoce, mas os danos já feitos não podem ser revertidos”, alerta Donal O’Shea, professor de química da Universidade de Medicina e Ciências da Saúde RCSI, em artigo republicado pelo O Globo.
Especialistas como Gerry McElvaney, professor de medicina da RCSI, defendem regulamentações mais rígidas e campanhas educativas. “Assim como protegemos trabalhadores de fábricas de pipoca, precisamos agir para proteger a próxima geração”, afirmou McElvaney. No Brasil, entidades como a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT) e o Instituto Nacional do Câncer (Inca) se posicionam contra a liberação dos vapes, destacando a falta de evidências de segurança.
Casos como o de Brianne Cullen e Abby Flynn servem como alerta: o que parece inofensivo pode causar danos permanentes. A conscientização, aliada a políticas públicas eficazes, é essencial para evitar que mais jovens enfrentem as consequências do “pulmão de pipoca”.