Os casos de intoxicação por metanol depois do consumo de bebidas alcoólicas registrados no estado de São Paulo levantaram alerta entre especialistas de saúde e são investigados pela polícia. A substância, de alta toxicidade, representa risco de vida mesmo em pequenas quantidades e é quimicamente similar ao etanol, o tipo de álcool presente em bebidas comuns, embora não seja metabolizado da mesma maneira. Especialistas ouvidos pela reportagem falam sobre os perigos mais comuns e a dinâmica da intoxicação por esse agente.
O etanol se transforma em molécula conhecida como acetaldeído, que é tóxico mas com a qual o nosso fígado consegue geralmente trabalhar, convertendo-o em ácido acético (o mesmo do vinagre). O ritmo e a capacidade de cada pessoa para lidar com o álcool varia de acordo com fatores como idade, peso e saúde do fígado. Ele pode causar dependência, intoxicação e mesmo a morte, se em quantidades acima da capacidade de metabolismo do organismo, além de ser fator de risco para doenças do fígado, do coração e dos rins.
Para o metanol, a dinâmica segue o mesmo caminho, mas produz formaldeído. Esse composto é transformado em ácido fórmico (encontrado na natureza em algumas formigas, abelhas e plantas). O passo seguinte é seu metabolismo com ácido fólico, gerando água e gás carbônico, o que pode ser muito lento e causar acúmulo em alguns órgãos. Ai começam os problemas: o acúmulo sobrecarrega inicialmente o sistema nervoso, principalmente o nervo óptico, e um dos sintomas mais característicos são as alterações na visão ou mesmo cegueira, que podem ser breves, duradouras ou até permanentes.
O pior dos cenários de intoxicação por metanol é de uma intoxicação severa, onde a concentração de ácido fórmico no sangue leva a uma sobrecarga no metabolismo intracelular, afetando as mitocôndrias. Elas são responsáveis pela geração de energia dentro das células e qualquer coisa que as afete terá impacto em todo o corpo.
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Segundo o Centro de Vigilância Sanitária (CVS) do estado de São Paulo, até a noite da segunda-feira (29) foram seis casos de intoxicação confirmados e dez estão em investigação.
Entre os casos investigados estão quatro jovens, dois homens e duas mulheres, que passaram mal após consumir gin comprado em uma adega na Cidade Dutra, na Zona Sul da capital, em 1º de setembro.
O governo estadual confirmou três mortes relacionadas a intoxicação por metanol. As vítimas são um homem de 58 anos, morador de São Bernardo do Campo, um homem de 54 anos, morador da capital paulista e um homem de 45 anos. O local de residência está sendo investigado.
Ainda conforme o governo, outra morte, de um homem com histórico de etilismo crônico, está em investigação, pois não se sabe como ocorreu a intoxicação. Outro caso foi descartado.
“É importante procurar um médico logo, pois o tratamento adequado depende dos exames iniciais e da confirmação no laboratório. Doses a partir de 10 ml já podem causar cegueira”, alerta a especialista.
Os sintomas iniciais aparecem, em média, de 12 a 14 horas após a ingestão, informou Hanna Flávia Gomes, oftalmologista do CBV-Hospital de Olhos do Distrito Federal, e variam entre dores de cabeça, náuseas e vômitos, dores abdominais, confusão mental, visão turva repentina ou cegueira. Quem tem esses sintomas não irá apresentar necessariamente todos eles, nem irão aparecer em ordem específica.
Entre os tratamentos possíveis estão o uso de corretores de acidez, como bicarbonato, o tratamento com vitaminas, como ácido fólico e com antídotos, como etanol venoso, ou mesmo a hemodiálise em casos graves, mas não se deve tentar soluções caseiras, pois a situação tende a piorar com o acúmulo no organismo e se agravar em pouco tempo após os primeiros sintomas.
A diferença nos sintomas talvez seja a melhor forma de identificar se a bebida continha uma mistura de etanol e metanol. Enquanto o primeiro gera desconforto e impactos rapidamente, mesmo os mais graves, os sintomas do metanol vão aparecer aos poucos, pois o corpo metaboliza a substância lentamente, explicou o neurocirurgião André Meireles Borba. Os sintomas, segundo ele, tendem a aparecer algumas horas depois da ingestão e vão se agravando.
“Mesmo que você tenha ingerido álcool, se horas depois da ingestão você começar a sentir sintomas que sejam diferentes dos habituais, especialmente se envolvem a alteração da parte visual, deve haver alguma preocupação. Especialmente se os sintomas, em vez de diminuírem, forem piorando ao longo das horas”.
Entre os sintomas possíveis estão cegueira, névoa na visão, intolerância à luz e aparecimento de manchas.
Apesar dos sinais relacionados ao nervo óptico serem os mais comuns, Borba esclarece que o mais perigoso são os sintomas do que seria a “intoxicação das mitocôndrias”.
“Normalmente, elas fazem a respiração bioquímica, que é a produção de energia dentro das células, por meio do metabolismo do açúcar no sangue (que não é o açúcar que comemos, já é um produto dele, geralmente açúcares menores e gorduras). Esse processo é regulado por um mecanismo bioquímico que envolve sais e é desequilibrado pelo metabólito do metanol, o formaldeído. “Na prática ele ‘gruda’ no citocromo, o que faz com que pare de funcionar. Se a gente comparar esse funcionamento com o pistão do motor de um carro, é como você encher o pistão de água, e isso impede seu funcionamento”, ilustra o médico. É como um processo de asfixia em nível celular, muito difícil de tratar e, a partir de um certo ponto, irreversível. “As células deixam de produzir energia, não tem como a gente trocar isso”, conclui.
As vítimas intoxicadas consumiram bebidas alcoólicas adulteradas, principalmente gin e vodca. Por enquanto, ainda não se sabe em quais etapas as bebidas foram “batizadas” e se outros tipos de destilados também foram adulterados.
A polícia também apura quem são os responsáveis pelo crime. Uma adega na Zona Sul e três bares da capital paulista, localizados nos Jardins, Zona Oeste, e na Mooca, Zona Leste, são investigados.
Uma força-tarefa formada por policiais, integrantes do Centro de Vigilância Sanitária do estado e da Coordenadoria de Vigilância em Saúde da prefeitura realizaram na tarde da segunda uma ação de fiscalização em três bares da capital onde há relatos de suspeita de intoxicação por metanol. Foram apreendidas 117 garrafas de bebidas destiladas sem rótulos.
A orientação dos especialistas, assim como de todos os órgãos técnicos, é procurar o atendimento em serviços de urgência próximos imediatamente. As unidades trabalham com protocolos de triagem e podem diferenciar rapidamente tipos distintos de intoxicação. Mesmo serviços locais de saúde têm redes de referência que podem orientar os profissionais para o atendimento rápido e adequado.
Com informações de Agência Brasil e portal g1.