Morreu na madrugada desta sexta-feira (26), aos 98 anos, Mãe Carmen de Oxaguian, ialorixá do Ilé Ìyá Omi Àṣẹ Ìyámase, conhecido como Terreiro do Gantois, um dos mais antigos e importantes terreiros de candomblé do Brasil, fundado em 1849. Carmen Oliveira da Silva, filha mais nova de Mãe Menininha do Gantois, estava internada há duas semanas no Hospital Português, em Salvador, devido a uma forte gripe. Ela completaria 99 anos na segunda-feira (29), já que nasceu em 1926, mas só foi registrada dois anos depois.

Mãe Carmen assumiu a liderança do terreiro em 2002, tornando-se a quinta ialorixá à frente da casa. Iniciada no candomblé aos 7 anos de idade, ela exerceu a função de guardiã dos pilares da espiritualidade, cultura e ancestralidade negra por 23 anos.
Em reconhecimento ao seu trabalho de preservação das tradições e promoção do diálogo inter-religioso, Mãe Carmen recebeu em maio de 2010 a Medalha dos 5 Continentes ou da Diversidade Cultural, concedida pela Unesco. Em maio de 2023, foi homenageada com a Comenda Maria Quitéria, honraria outorgada a mulheres que se destacam em ações benéficas para Salvador ou para a Bahia.
Além da atuação religiosa, Mãe Carmen promoveu ações sócio-educativas na comunidade do Gantois e iniciativas culturais voltadas à acessibilidade das referências da memória da religiosidade de matriz africana na Bahia, incluindo cursos de ritmos e toques, dança e bordados tradicionais. Sua trajetória inspirou a música “A Força do Gantois”, composta pelo sambista Nelson Rufino e lançada em agosto de 2011.
O velório de Mãe Carmen ocorrerá nesta sexta-feira (26), no próprio Terreiro do Gantois. O sepultamento está marcado para as 11h30 de sábado (27), no Cemitério Jardim da Saudade, em Salvador.
“É com profundo pesar, respeito e reverência que a Associação de São Jorge Ebé Oxóssi comunica a passagem da Ìyáloriṣa do Ìlé Ìyá Omi Àṣe Ìyámaṣé, Mãe Carmen de Òṣàgyían.
Ìyáloriṣa, mulher de axé, guardiã da ancestralidade e herdeira de uma linhagem que pavimentou a história do Candomblé na Bahia e no Brasil.
Filha direta de Mãe Menininha do Gantois, Mãe Carmen nasceu para o sagrado. Desde muito cedo, foi formada nos fundamentos, nos ritos e nos saberes que sustenta uma nação. Sua infância foi preparação espiritual; sua vida, missão. Nada em seu caminho foi acaso, foi legado, destino, desígnio dos Orixás.
Há 23 anos à frente do Gantois, Mãe Carmen assumiu com amor, coragem e responsabilidade a condução de uma Casa que é fé, memória e identidade. Ser Ìyáloriṣa em sua presença, sempre significou cuidar, proteger, orientar e sustentar o axé com dignidade, firmeza e sabedoria, zelando pela comunidade e pela continuidade de uma tradição ancestral.
Mãe Carmen foi farol, colo, caminho e fortaleza. Sua palavra ensinava, seu silêncio acolhia, e seu fazer cotidiano era atravessado pela entrega, pelo respeito aos Orixás e pelo compromisso com a vida coletiva. Em seu corpo e em sua condução, a herança de Mãe Menininha permaneceu viva, pulsante e afirmada dia após dia.
Como Ìyáloriṣa desempenhou com dedicação e firmeza o cuidado cotidiano do axé, contando com o apoio de suas duas filhas, que estiveram ao seu lado na condução da roça, compartilhando responsabilidades, saberes e a sustentação da Casa. Mãe Carmen deixa ainda três netos e quatro bisnetos, expressão viva da continuidade, da memória e do futuro que segue sendo tecido a partir de sua presença e de seu legado.
Seu retorno ao Orun acontece em uma sexta-feira, dia consagrado a Oxalá, Orixá da criação e da serenidade, um símbolo que traduz uma trajetória marcada pela retidão, cuidado e fé. Em Oxalá, o descanso, na ancestralidade, a permanência.
Hoje, nos despedimos de sua presença física, mas afirmamos com convicção: seu axé permanece. Seus ensinamentos seguem vivos, sua missão continua inscrita na história e sua memória permanece como fonte de força, amor e sabedoria para as gerações que virão.
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Com informações do portal g1.