A tradicional queima de fogos de artifício na virada do ano representa um momento de celebração para muitos, mas impõe prejuízos a parcelas da população com maior sensibilidade auditiva. Idosos, bebês e, especialmente, pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) sofrem com os ruídos prolongados, que podem desencadear crises sensoriais e impactos prolongados na saúde. Segundo o neuropediatra Anderson Nitsche, professor da PUCPR, os efeitos podem durar dias, pois “as crianças e pessoas autistas têm uma sensibilidade maior ao som e isso causa uma perturbação momentânea, mas que pode até durar por mais tempo, gerando sofrimento de insônia durante alguns dias”.

O desconforto ocorre porque o cérebro de pessoas no espectro autista não processa o barulho como um festejo, mas como uma ameaça. A neurologista Vanessa Rizelio, diretora clínica do Hospital INC, esclarece que a reação comum é a tentativa de fuga, manifestada por ansiedade e irritabilidade. A neuropediatra Solange Vianna Dultra, fundadora da ANERJ, compara a experiência a situações extremas: “O coração dá uma descarga de adrenalina, acelera, a pressão sobe. Eles não conseguem entender que é uma festa. É como se estivessem no meio de um tiroteio”. Essa desregulação pode levar a comportamentos agressivos contra si ou contra terceiros devido ao sofrimento sensorial.
Além dos autistas, idosos com demência e bebês são grupos vulneráveis. No caso dos idosos, o barulho pode provocar surtos de delírios e alucinações, enquanto nos bebês o ruído gradual, que aumenta até a meia-noite, interrompe o sono essencial para o desenvolvimento. Como alternativas, algumas cidades já adotam fogos sem estampido, shows de luzes e drones. Para a psicóloga Ana Maria Nascimento, a manutenção de tradições ruidosas diante de soluções silenciosas soa como descaso, afirmando que “celebrar pressupõe convivência. Quando a alegria de uns depende do sofrimento de outros, é legítimo questionar se essa tradição ainda faz sentido”.
Apesar da existência de legislações em cidades como Curitiba, especialistas criticam a falta de fiscalização efetiva. Para Anderson Nitsche, a solução definitiva passa pela empatia coletiva e pela compreensão de que o autismo atinge cerca de 3% da população mundial. Ele reforça que o processo de inclusão exige entender as diferenças, pontuando que “acolher, entender e perceber que há pessoas que sofrem com determinadas tradições é tão importante quanto as próprias vivências”. Enquanto a mudança de comportamento não é plena, o uso de abafadores e sons de ruído branco no ambiente são recomendados para minimizar os danos aos mais sensíveis.
Com informações de Agência Brasil.