A Lei Magnitsky, legislação norte-americana aprovada em 2012 durante o governo de Barack Obama, tornou-se um ponto central nas articulações políticas de aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) nos Estados Unidos. Nos últimos meses, bolsonaristas, liderados pelo deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), têm pressionado o governo de Donald Trump para aplicar sanções previstas na lei contra autoridades brasileiras, especialmente o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Mas o que é a Lei Magnitsky, e por que ela é vista como uma ferramenta estratégica pelos apoiadores de Bolsonaro?
A Lei Magnitsky, oficialmente chamada de Global Magnitsky Human Rights Accountability Act, foi criada em resposta à morte do advogado russo Sergei Magnitsky, que denunciou um esquema de corrupção envolvendo autoridades russas e faleceu em 2009, sob custódia, em uma prisão de Moscou. Inicialmente, a legislação visava punir indivíduos russos responsáveis por violações de direitos humanos e corrupção relacionadas ao caso. Em 2016, uma emenda ampliou seu alcance, permitindo que os Estados Unidos apliquem sanções a pessoas ou entidades de qualquer país acusadas de corrupção significativa ou graves violações de direitos humanos, como tortura, execuções extrajudiciais, prisões arbitrárias ou repressão a jornalistas e defensores de direitos humanos.
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As sanções previstas na lei incluem o congelamento de bens e contas bancárias em território americano, a proibição de entrada nos EUA e restrições a transações financeiras com empresas ou cidadãos norte-americanos. Essas medidas são administradas pelo Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros (OFAC) do Departamento do Tesouro dos EUA e não exigem processo judicial, bastando uma decisão administrativa baseada em relatórios, denúncias ou testemunhos confiáveis. Desde 2017, a lei foi aplicada globalmente, alcançando indivíduos como o ex-presidente do Conselho Eleitoral da Nicarágua, Roberto José Rivas Reyes, e autoridades de países como Turquia e Hong Kong, acusadas de perseguição política ou corrupção.
Desde que Eduardo Bolsonaro se licenciou do cargo de deputado e se mudou para os Estados Unidos em março de 2025, ele tem articulado com políticos republicanos, como os deputados Rich McCormick e María Elvira Salazar, e o secretário de Estado Marco Rubio, para pressionar pela aplicação da Lei Magnitsky contra Alexandre de Moraes e, em alguns casos, outras figuras do Judiciário brasileiro, como o procurador-geral da República, Paulo Gonet, e o ministro Gilmar Mendes. A campanha ganhou força após decisões judiciais de Moraes, como a suspensão da plataforma X no Brasil em agosto de 2024, por descumprimento de ordens para remover perfis investigados por desinformação e ataques às urnas eletrônicas, e a condução de processos contra Jair Bolsonaro, réu por tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022.
Os bolsonaristas argumentam que Moraes promove “censura generalizada” e “perseguição política” contra opositores do governo Lula, violando direitos humanos, especialmente a liberdade de expressão. Eles alegam que suas decisões judiciais, como a suspensão de contas em redes sociais, afetam cidadãos e empresas americanas, configurando uma ameaça à soberania digital dos EUA. Eduardo Bolsonaro, em vídeo publicado em 12 de julho, pediu diretamente a Trump e Rubio que apliquem a lei contra Moraes, afirmando que o ministro representa uma ameaça à democracia e que sanções seriam uma forma de “corrigir injustiças” no Brasil.
A movimentação ganhou apoio de figuras como o deputado republicano Cory Mills, que, em audiência no Congresso americano, acusou o Brasil de viver um “alarmante declínio dos direitos humanos”. Em 25 de fevereiro deste ano, McCormick e Salazar enviaram uma carta a Trump solicitando sanções contra Moraes, alegando que ele transformou o STF em uma “arma política” para silenciar a oposição e manipular as eleições de 2026. A revogação do visto americano de Moraes, anunciada por Rubio nesta semana, foi interpretada como um passo inicial, com aliados de Eduardo indicando que sanções mais severas, incluindo a Lei Magnitsky, podem ser aplicadas em breve.
Especialistas em direito internacional, como Belisário dos Santos Jr., da Comissão Internacional de Juristas, apontam que a aplicação da Lei Magnitsky contra Moraes seria controversa e careceria de evidências sólidas de violações de direitos humanos. Segundo eles, decisões judiciais polêmicas não configuram, por si só, abusos como tortura ou execuções extrajudiciais, e a lei foi historicamente usada contra juízes em regimes autoritários, como na Rússia, onde o Judiciário não é independente. Além disso, as sanções não teriam efeito automático fora dos EUA, dependendo da adesão de instituições financeiras internacionais, e poderiam ser vistas como uma interferência na soberania brasileira, gerando tensões diplomáticas.
O Ministério das Relações Exteriores do Brasil, por meio do chanceler Mauro Vieira, afirmou que a Lei Magnitsky é uma legislação restrita aos EUA e não tem validade no Brasil, destacando a soberania nacional. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o ministro Gilmar Mendes também criticaram a tentativa de ingerência estrangeira nas instituições brasileiras.
A pressão pela aplicação da Lei Magnitsky reflete a estratégia de bolsonaristas de internacionalizar o embate político com o Judiciário brasileiro, aproveitando a proximidade ideológica com o governo Trump. A narrativa de “perseguição política” é reforçada por aliados como Elon Musk, que criticou Moraes por decisões contra a plataforma X, e por parlamentares republicanos que veem paralelos entre as críticas ao STF e suas próprias preocupações com a liberdade de expressão nos EUA. No entanto, a ausência de provas concretas de violações graves e o contexto de um Judiciário independente no Brasil podem limitar a viabilidade das sanções.
A escalada das tensões, com a possibilidade de sanções adicionais, como tarifas comerciais ou restrições tecnológicas, pode agravar as relações entre Brasil e EUA, especialmente em um momento em que Trump busca vitórias simbólicas em sua política externa. Enquanto os bolsonaristas enxergam na Lei Magnitsky uma ferramenta para pressionar adversários, o debate levanta questões sobre os limites da soberania nacional e o uso político de legislações internacionais.