A presença do deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e do comentarista político Paulo Figueiredo em um hotel onde parte da delegação da Confederação Nacional da Indústria (CNI) está hospedada gerou reações de incômodo entre empresários brasileiros em Washington. Pelo menos seis representantes setoriais ou empresários relataram sentimentos que variam de “certo desconforto” a “super constrangimento” com a participação da dupla, que não fazia parte da comitiva de cerca de 130 pessoas enviada para negociar tarifas com os Estados Unidos.
Na manhã dessa quinta-feira (4), Eduardo e Figueiredo foram vistos conversando com um empresário supostamente do setor da pesca no café do hotel. A Abipesca, integrante da delegação, negou que qualquer de seus representantes tenha convidado Eduardo para uma conversa ou se reunido com ele. Nos grupos de WhatsApp, os empresários especulavam sobre quem seriam os “anfitriões” de Eduardo, questão que permanecia sem resposta até o início da noite na capital americana. “Não foi a CNI que nos chamou. Foram cinco empresários, encontramos com alguns ontem e fizemos um café da manhã menor. Mas não faz sentido dizer quem são, não vamos expor”, revelou Figueiredo à reportagem. Segundo ele, Eduardo foi convidado por interlocutores para falar a um grupo maior de empresários, mas condicionou a participação a conhecer previamente a lista de presentes, o que não foi fornecido, restringindo a conversa a um pequeno grupo de empreendedores já conhecidos.
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O presidente da CNI, Ricardo Alban, reforçou que a delegação foi planejada para evitar questões políticas, excluindo parlamentares e quadros técnicos do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC). “Por que é que nós vamos perder a razão, para quê vamos misturar alhos com bugalhos? A visita dos senadores [brasileiros, há algumas semanas] era política, queríamos fazer uma visita empresarial”, disse Alban, que admitiu surpresa com a presença de Eduardo. “Eu sei que a CNI não convidou [Eduardo], mas não sei se alguém convidou porque tem relação pessoal”, completou.
Eduardo Bolsonaro e Paulo Figueiredo têm defendido, há meses, sanções contra o Brasil junto à administração de Donald Trump, visando pressionar por uma anistia a Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados, que enfrentam julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) por tentativa de golpe de Estado. A carta de Trump que impôs tarifas de 50% ao Brasil cita o processo contra Bolsonaro como uma “caça às bruxas”. Um representante de industriais do Sudeste questionou: “É algo que não tem nem sentido, né?! Não foi ele [Eduardo] quem criou o problema? Agora vai aparecer aqui para vender solução?”. Outro descreveu a situação como “estranhíssima”. Todos falaram sob anonimato, temendo retaliações políticas.
A comitiva da CNI, recebida pelo Departamento de Estado, Departamento de Comércio e pelo Representante Comercial dos EUA (USTR), encontrou a questão política como “prioritária” em todas as reuniões. “Ficou claro que a dimensão política é muito importante, uma espécie de chave para que possamos desenvolver soluções concretas [para o tarifaço]”, afirmou o embaixador Roberto Azevêdo, consultor da CNI e ex-diretor-geral da Organização Mundial do Comércio. Ele destacou que a carta de Trump, mencionando o processo contra Bolsonaro e decisões do STF sobre big techs, foi citada em todos os encontros, indicando que a redução das tarifas não é provável no curto prazo.
Para atrair os EUA à mesa de negociação, a CNI propôs parcerias em mineração de terras-raras, mercado de etanol (incluindo o desenvolvimento de Combustível Sustentável de Aviação) e instalação de data centers no Brasil, aproveitando o potencial de energia renovável. “Eles querem que sejamos ousados e propositivos. É um governo que pensa fora da caixinha, então nós também temos que pensar”, afirmou Alban. No entanto, Azevêdo reconheceu dificuldades. “Eu fiz a pergunta a eles: ‘Quais são as áreas de interesse de vocês?’ E essa resposta não foi muito clara”, disse, complementando: “Eles estão assolados de coisas pra fazer, estão negociando acordo comercial com o mundo inteiro, estão usando o tempo deles para estudar outros países com negociação mais avançada, não pararam para se debruçar sobre o que poderia ser feito com o Brasil”. “Há uma certa frustração dos empresários com o fato de que os canais oficiais não estão funcionando a contento”, reconheceu Azevêdo, apontando entraves políticos e a falta de uma mesa de negociação efetiva entre os governos, já que os EUA condicionam o diálogo à discussão sobre o Judiciário brasileiro, enquanto o governo Lula reafirma a soberania nacional.
Com informações do portal Uol.