A Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG) enviou recomendação à Câmara Municipal de Belo Horizonte apontando vícios de inconstitucionalidade no Projeto de Lei Municipal nº 011/2025, que visa proibir a presença de crianças em determinados eventos culturais, artísticos e carnavalescos considerados inadequados.
O texto da DPMG destaca que a proposta, embora apresentada sob o argumento de proteção à infância, estabelece restrições específicas a manifestações culturais, utilizando termos pejorativos como “conteúdo considerado impróprio para menores” e “de caráter sexual”. O projeto enumera explicitamente como potencialmente “incompatíveis com a faixa etária” produções com temática LGBTQIAPN+, além de desfiles de blocos de rua e blocos afro durante o carnaval.
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A Defensoria sustenta que a medida apresenta tanto vícios formais quanto materiais em relação à Constituição Federal, configurando possível violação de direitos fundamentais. O órgão alerta para o caráter discriminatório da proposta, que seleciona determinadas expressões culturais para restrição, levantando questionamentos sobre a constitucionalidade da classificação etária proposta pelo projeto legislativo.
O Projeto de Lei dispõe que os responsáveis por obras, produções e espetáculos deverão utilizar uma “autoclassificação”, de caráter provisório, indicando a faixa etária para a qual o evento cultural não é recomendado. A Administração Municipal ficaria responsável por monitorar o conteúdo das produções artísticas, podendo promover, de forma definitiva, a reclassificação da faixa etária indicativa. Caso o evento seja reclassificado pelo Poder Público para uma faixa etária mais alta, o PL prevê, então, a aplicação de multa no valor de R$ 1.000,00 e até mesmo a suspensão da autorização para a realização de eventos futuros no município.
Na recomendação, a Defensoria Pública aponta que o PL nº 011/2025 viola as regras de distribuição de competência entre os entes da federação, tanto quanto à classificação indicativa de eventos culturais – atividade regulatória exclusiva da União; tanto quanto à legislação de proteção de crianças, competência legislativa da União e dos Estados, situação em que o Município poderia reger o assunto apenas de maneira suplementar, o que não é o caso.
A recomendação alerta, ainda, sobre a inconstitucionalidade material, uma vez que a proposta viola o dever estatal de combate à discriminação e de promoção da dignidade humana, haja vista que aprofunda a marginalização e os preconceitos contra a comunidade LGBTQIAPN+, bem como em desfavor das manifestações culturais de matrizes afro-brasileiras.
Além disso, argumenta a DPMG, “a proposição normativa descumpre as obrigações de se construir uma sociedade livre, justa e solidária, fundada nos princípios da igualdade, cidadania e no pluralismo, bem como ofende as normas constitucionais relativas à liberdade e à valorização da cultura”.
A Defensoria alega ainda que o PL transgride o princípio constitucional do pluralismo político, ofende o dever estatal de “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”, além de incorrer em censura de caráter racista, na contramão de disposições da Constituição da República.
Ancorada em normas vigentes, a DPMG observa que eventos culturais e produções artísticas submetidas à classificação indicativa não podem receber tratamentos distintos em razão da diferença de gênero, raça, religião ou orientação sexual.
Destaca também que é dever do Estado garantir o acesso às fontes da cultura nacional, além de proteger as manifestações populares, dentre elas aquelas de origem afro-brasileira, preservando, assim, a memória do processo civilizatório e de formação histórica do país, conforme preveem as Constituições Federal e Estadual.
“A listagem nominal da Parada do Orgulho LGBTQIAPN+ e de Blocos Carnavalescos Afro dentre as manifestações políticas e culturais alvo de controle por parte do Poder Público local é carregada de um prévio juízo de valor, estabelecendo, portanto, esses eventos como alvos diretos da política proibitiva”, afirma a Defensoria.
A recomendação também pontua a existência de preconcepções discriminatórias em desfavor da comunidade LGBTQIAPN+ presentes no Projeto, ao equiparar a Parada do Orgulho a atividades moralmente reprováveis.
“A correlação feita pelo Projeto de Lei entre essa manifestação política e cultural da comunidade LGBT+ com ‘exposição de nudez explícita’ e com ‘encenações de caráter sexual’ reforça, equivocadamente, o infeliz estereótipo de que a afetividade entre pessoas do mesmo sexo e a livre expressão da identidade de gênero são posturas patológicas, desviantes e reprováveis”, pontua a DPMG.
A Defensoria lembra que a diversidade das famílias e, inclusive, a adoção de crianças e adolescentes por casais homoafetivos é reconhecida pelo ordenamento jurídico do país e afirma que a proibição do acesso de crianças e adolescentes a debates ligados à conscientização sobre a diversidade de gênero e de orientação sexual apenas aprofunda o preconceito, além de admitir a perpetuação de violências de caráter LGBTfóbico, por exemplo, nos espaços escolares e de lazer, descumprindo previsões constitucionais e as obrigações impostas aos entes estatais.
“A implementação de leis municipais que proíbem que crianças e adolescentes acessem o debate público sobre a diversidade quanto à orientação sexual e à identidade de gênero, ao contrário de protegê-las, apenas colabora para a formação de pessoas despreparadas para a vida em democracia, não aptas a conviver com as diferenças do caráter plural da sociedade”, alerta a Defensoria.
Assim, a DPMG recomenda ao Poder Legislativo de Belo Horizonte que o Projeto de Lei Municipal nº 11/2025 seja rejeitado, em razão dos vícios de inconstitucionalidade apontados.
Assinam a recomendação o Coordenador Estratégico em Tutela Coletiva, defensor público Paulo Cesar Azevedo de Almeida, e a Coordenadora Estratégica de Defesa e Promoção dos Direitos das Crianças e Adolescentes, defensora pública Daniele Bellettato Nesrala.
Fonte: DPMG